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Ma noticia para a baia

O Globo, Rio, p.8
06 de Jun de 2005

Má notícia para a baía
Carla Rocha e Paulo Marqueiro
Na Semana do Meio Ambiente, as águas da Baía de Guanabara são agitadas por uma polêmica: parte dos R$ 51 milhões da multa paga ao Ibama pela Petrobras, devido ao vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo na baía em 2000, pode ter desaparecido num mar de irregularidades. Depois de uma auditoria, entre março e abril deste ano, nos projetos beneficiados pela maior multa ambiental da história do país, o Ibama determinou o cancelamento de 12 convênios e está exigindo a devolução de R$ 26 milhões (em valores atualizados) reados a seis ONGs, ao estado e a 11 municípios do entorno da baía, o que vem deflagrando uma onda de protestos e processos contra o órgão ambiental.
Um relatório a que o GLOBO teve o lista uma série de irregularidades nos convênios: projetos não concluídos, obras sem licitação, falta de licenças ambientais e despesas feitas sem comprovação. O documento, datado de 5 de abril, foi elaborado por uma equipe da Diretoria de istração e Finanças (Diraf) do Ibama, que veio de Brasília especialmente para auditar os convênios na superintendência do órgão, no Rio. A maior parte dos contratos se refere a projetos na área de lixo — um dos maiores problemas da baía — e de replantio de manguezais.
Há casos graves como o de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, em que o Ibama exige a devolução de R$ 2,9 milhões destinados à implantação de um aterro sanitário devido a problemas na execução física do projeto” e ausência de licenças ambientais. O secretário de Obras e Infra-estrutura do município, Milton Rattes, ite que houve falhas. Uma tomada de contas, feita pela própria istração, constatou que parte da obra não foi realizada e que faltam equipamentos necessários à operação do aterro sanitário.
— Não temos tratores e retroescavadeiras para operar o aterro. Foram comprados, mas nunca apareceram. Infelizmente ainda usamos o lixão — afirmou Rattes, que enviou cópia do relatório sobre as irregularidades ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério Público, e pretende cobrar a dívida da gestão anterior.
Prefeitura do Rio não quer devolver
Mas há situações em que o relatório do Ibama é duramente contestado. A Prefeitura do Rio, que, segundo o Ibama, teria de devolver R$ 5,9 milhões, decidiu brigar na Justiça. A Secretaria de Meio Ambiente critica o rompimento unilateral do contrato e alega que parte dos recursos foi usada em ações como limpeza do Canal do Cunha e no Eco Orla Ilha de Paquetá.
A Prefeitura de Niterói também anunciou que vai recorrer para não devolver os R$ 2,4 milhões exigidos pelo Ibama. Apesar de os auditores terem descoberto falhas como falta de licitação, de notas fiscais e de licenças ambientais, o município informou que os recursos foram aplicados em melhorias no Aterro do Morro do Céu e na coleta de lixo.
Entre os descontentes está a vice-presidente da Fundação Onda Azul, Tatiana Wehb. Ela disse ter ficado surpresa ao receber uma carta do órgão, há um mês, exigindo a devolução de R$ 2,8 milhões. A auditoria constatou problemas na prestação de contas, além de falta de processo licitatório e caracterização de desvio de finalidade na aplicação de recursos”.
A Onda Azul, que na época de do convênio era presidida por Gilberto Gil, atual ministro da Cultura, liderou um consórcio de seis ONGs num projeto de recuperação de manguezais. Tatiana argumenta que as ONGs não receberam o total que vem sendo cobrado pelo Ibama.
— Dos R$ 2,4 milhões previstos no contrato, só recebemos R$ 1,39 milhão e, mesmo assim, com atraso, mas nem por isso paramos o projeto. Com a ajuda da iniciativa privada, já conseguimos recuperar mais de oito hectares de manguezal na Praia de Mauá, em Magé. Não houve malversação de recursos. Nossa prestação de contas está em ordem. Essa atitude é totalmente descabida — argumenta Tatiana, que promete recorrer da decisão.
Em Guapimirim, o prefeito Nelson do Posto alega não ter de onde tirar os R$ 715 mil exigidos pelo Ibama. Embora reconheça que o objetivo do convênio — também na área de lixo — não tenha sido totalmente atingido, ele diz que, se houve irregularidades elas ocorreram na gestão anterior.
— O município não tem sequer dinheiro para a merenda escolar. Como vamos devolver recursos ao Ibama? — pergunta ele, que ainda está fazendo um levantamento dos problemas ocorridos com o projeto.
A secretária de Desenvolvimento Urbano e de Obras de São João de Meriti, Elaine Mori Sampaio, diz que está conversando com o Ibama para buscar uma saída para o ime. O órgão quer de volta R$ 2,1 milhões destinados a um projeto para tratamento de lixo.
— Não nego que tenha havido falha, mas nós prestamos contas direitinho e a verba nem foi integralmente liberada. Estamos conversando com eles — disse Elaine, eximindo-se, entretanto, de dizer se iria ou não devolver o dinheiro e acrescentando que o valor recebido foi de R$ 1,5 milhão.
A anulação dos convênios foi lamentada ainda pela prefeitura de Petrópolis. Em nota, ela informou que já devolveu R$ 465.126,64 ao Ibama e adiou o projeto de aterro sanitário.
A confusão é tamanha que há municípios, como São Gonçalo e Duque de Caxias, que sequer sabem como os recursos da multa foram aplicados. As duas prefeituras disseram que precisarão fazer uma auditoria para descobrir o que foi feito.
No Ibama, o diretor da Diraf, Edmundo Antonio Pereira Taveira, explicou que o convênio firmado em 2000 entre o órgão, a Petrobras, as prefeituras, o estado e ONGs é regido pela Instrução Normativa Número 1 do Tesouro, que estabelece um rigoroso acompanhamento dos contratos.
Segundo ele, apesar de o prazo dos convênios ter expirado em 2003, até hoje não houve prestação de contas ao Ibama e à Petrobras, que devem explicações à Controladoria-Geral da União (CGU). A CGU já auditou os contratos e detectou irregularidades.
— É uma medida dura, mas essa situação já vem de algum tempo. O prazo foi mais do que suficiente — diz Edmundo.
Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio, deputado Carlos Minc (PT), a falta de controle sobre a aplicação de recursos públicos pode comprometer as políticas ambientais.
— É claro que pode haver desvios e, portanto, temos que ter mecanismos de controle eficientes. São instrumentos importantes de compensação que não podem ser desmoralizados por falta de um cuidado mínimo de fiscalização.

Um desastre ecológico que chocou o país
Na madrugada de 18 de janeiro de 2000, o rompimento de um duto da Petrobras provocou o vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo na Baía de Guanabara, no maior desastre ecológico de sua história. As imagens da maré negra e de pássaros agonizando cobertos de óleo chocaram o país. O derramamento aconteceu numa das 14 linhas que bombeiam óleo da Reduc, em Duque de Caxias, para a Ilha DÁgua, perto da Ilha do Governador.
Segundo informou a Petrobras à época, o acidente foi causado por fadiga de material e por um erro no programa de computador. O problema só foi detectado quatro horas depois. De início, a empresa havia informado que o vazamento era de 500 mil litros de óleo e só quatro dias depois itiu o derramamento de 1,3 milhão de litros. O rompimento ocorreu num trecho do duto que a por um canal, a cerca de 30 metros da baía.
Para tentar conter o avanço do óleo, a Petrobras montou uma gigantesca operação — que incluiu a vinda de especialistas estrangeiros em recuperação ambiental — mas a mancha de poluição atingiu rapidamente as praias de Mauá e Anil, em Magé, os manguezais do fundo da baía e se estendeu à Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim, às Ilhas de Paquetá, do Governador e de Jurubaíba. Segundo estimativas feitas à época, sete mil pescadores ficaram desempregados apenas nas colônias de Niterói e São Gonçalo.
Em 25 de janeiro de 2000, uma semana depois do vazamento, o Ibama autuou a Petrobras em R$ 51 milhões, a maior multa ambiental já cobrada no país. Por pagá-la em dia, a Petrobras foi beneficiada por um desconto de 30% no valor da multa, e pagou R$ 35,7 milhões. Diante das reclamações generalizadas — até o então presidente Fernando Henrique se irritou — a empresa destinou mais R$ 15,3 milhões ao Ibama, complementando assim o valor inicial.
Os R$ 15,3 milhões, somados a R$ 6 milhões do Ibama, foram utilizados em convênios na área de meio ambiente — em especial relacionados ao lixo — com prefeituras do entorno da baía, estado e ONGs. São esses R$ 21,3 milhões (R$ 26 milhões, com a atualização monetária) que estão sendo exigidos de volta pelo Ibama. A outra parte da multa (R$ 35,7 milhões) foi usada em despesas de manutenção do órgão ambiental em todo o país.
Os R$ 51 milhões da multa aplicada à Petrobras pelo Ibama representam mais do que toda a verba destinada a projetos na área de resíduos sólidos (lixo) pelo Programa de Despoluição da Baía de Guanabara nos últimos dez anos, que foi da ordem de US$ 16 milhões (cerca de R$ 38,4 milhões).

O Globo, 06/06/2005, p. 8

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