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Autor: CARVALHO, Ilona Szabó
16 de Abr de 2025
O amanhã não está à venda
Em meio às tarifas volúveis de Trump, mercado deve ter foco em investir na natureza
16/04/2025
Ilona Szabó de Carvalho
Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)
O caos tarifário global instalado por Trump trouxe mais um componente de incerteza ao cenário geopolítico. Nas contas para saber quem ganha ou perde, uma coisa é certa: a natureza continuará perdendo numa guerra comercial e política em que o impacto sobre ela não é mensurado.
As medidas erráticas dos EUA embaralham a pauta de emergência de países e empresas num momento em que as questões de clima e natureza começam a ser tratadas pelo mercado não apenas como urgentes. Elas já são vistas como cruciais -ou existenciais, como dizem os economistas- para a sobrevivência do sistema financeiro.
Ou a do próprio capitalismo, como advertiu Günther Thallinger, do Conselho de istração da Allianz, uma das maiores seguradoras do mundo. Ele argumenta que as seguradoras não conseguirão mais cobrir riscos climáticos se o aquecimento global continuar acelerando rumo ao ponto de não retorno. Segundo ele, é um risco sistêmico e o capitalismo "precisa resolver agora essa ameaça existencial".
Também há pouco, sem alarde, o Fundo Soberano da Noruega, o maior do mundo -US$ 1,6 trilhão em ativos-, determinou a submissão de 96% de seu portfólio a análise de risco de capital natural. Significa que basicamente cada dólar ali está exposto à reprecificação considerando fatores que ameaçam o clima e a natureza, geralmente ignorados nos balanços das empresas.
Escrevi aqui que, se as mudanças climáticas são um tema polarizado, a natureza é um valor compartilhado por amplo espectro e a sinergia na agenda de soluções pode destravar as negociações na COP30. Ao falar de valores compartilhados, temos de tratar de responsabilidades comuns, sobretudo quando o objetivo máximo não é a sobrevivência de um regime econômico ou ideológico, mas o da espécie.
Quais modelos econômicos, nosso legado às futuras gerações, devemos criar para uma vida menos extrema? Um futuro inclusivo e sustentável, que crie mais do que destrua valores? É aqui que a responsabilidade do capital privado aumenta e seus detentores têm de ser pressionados a exercê-la, baseados em dados da ciência -bem mais preocupantes para o negócio que as volúveis tarifas de Trump.
Em "The New Nature of Business" (A nova natureza do negócio), André Hoffmann, vice-presidente e um dos herdeiros da Roche, defende que as empresas deixem de lado o axioma de Milton Friedman, um dos expoentes do liberalismo econômico, de que a principal responsabilidade social do negócio é fazer o máximo de dinheiro possível. Para gerar impacto, contradiz ele, "o que importa não é como você gasta dinheiro, mas como você faz o dinheiro". Hoffmann explica que ignorar as chamadas externalidades esperando que a filantropia vá resolver os problemas é pura ilusão e nos trouxe à encruzilhada atual.
Investimentos privados devem gerar impactos positivos para os bens públicos globais, que beneficiam todos, independentemente de fronteira ou classe. Quando temas como segurança, meio ambiente, educação e saúde forem entendidos como fundamentais para qualquer cidadão, será possível tecer alianças na busca de saídas mais sustentáveis para as crises.
Porque, nas palavras do nosso filósofo e acadêmico Ailton Krenak, "o amanhã não está à venda".
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