OESP, Economia, p. B1, B4
10 de Jul de 2011
Obras do PAC enfrentam 10,6 mil ações
Maioria envolve processos de desapropriação, mas também há muitas denúncias de irregularidades e problemas nas licitações
Renée Pereira
O governo federal bem que tentou blindar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para evitar atrasos no cronograma, mas não contou com milhares de processos judiciais no meio do caminho. Desde 2007, quando foi lançado como bandeira política do governo Lula e da atual presidente Dilma Rousseff, o programa acumula 10.619 ações judiciais e istrativas, segundo a Advocacia Geral da União (AGU).
Pelos dados do último balanço, divulgado no fim do ano ado, o PAC inclui cerca de 13 mil empreendimentos em várias áreas, como transportes, energia, saneamento básico, urbanismo e habitação. Na média, isso significaria dizer que as ações representam 80% dos projetos. Mas, na prática, algumas obras mais polêmicas somam dezenas de processos enquanto outras estão livres da enxurrada de questionamentos.
A maioria das ações envolve processos de desapropriação de áreas para a construção dos empreendimentos. Até junho, a briga entre proprietários de terras e governo somava 4.493 processos judiciais. "A fase de desapropriação é muito complicada. Os valores são sempre questionados", afirma o presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco), José Alberto Viol.
Um exemplo famoso das dificuldades de desapropriação é a ferrovia Transnordestina, de 1.728 km, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Nesse caso, o processo de discussão com os proprietários ficou sob responsabilidade dos Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. O caso foi tão complicado que atrasou em mais de um ano o cronograma da obra, prevista para ser concluída no ano ado.
A lista de questionamentos em relação aos projetos do PAC, no entanto, vai além das desapropriações. Inclui denúncias de irregularidades, disputas entre empresas que participam das licitações das obras e inconsistências nos editais de licitação. Envolve ainda questões ligadas aos impactos que o projeto causará ao meio ambiente e ao processo de licenciamento ambiental.
É o caso da ampliação e reforma do Aeroporto Internacional de Confins, em Minas Gerais, cujas obras foram suspensas a pedido do Ministério Público Federal. Em abril, a Justiça decidiu que o projeto apenas poderá ser iniciado quando a Infraero esclarecer todas as dúvidas ou fizer um estudo de impacto ambiental. Outros aeroportos estão parados por decisão judicial. O de Vitória teve as obras suspensas por determinação do Tribunal de Contas da União por causa de denúncia de superfaturamento.
Do ano ado até agora, esse tipo de questionamento, seja do Tribunal ou do Ministério Público, só aumentou. No período, o PAC ganhou 2.213 ações - crescimento de 26%. Nos dois primeiros anos do PAC, os questionamentos somavam 900 ações. De lá pra cá, os processos cresceram dez vezes.
Obras de transporte são as mais polêmicas
Nas ações, há principalmente suspeitas de sobrepreço e aditivos feitos nos contratos
Renée Pereira
Os empreendimentos do setor de transportes (rodovias, ferrovias e hidrovias) e de recursos hídricos, como a Transposição do Rio São Francisco, são os campeões de processos judiciais dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Até o fim do ano ado, os dois segmentos somavam 2.364 ações contrárias aos projetos em implantação ou aos processos de licitação. Aeroportos e energia elétrica aparecem logo em seguida, conforme os dados da Advocacia Geral da União (AGU).
Em muitos casos, as ações surgem de denúncias feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No setor de transportes, os itens que mais provocam polêmica são os indícios de sobrepreço e os aditivos feitos nos contratos. Os construtores se defendem afirmando que a tabela usada como referência para balizar decisões do TCU não retrata a realidade do País e dá margem a uma série de dúvidas. "Uma obra feita no Amazonas não tem o mesmo custo que uma obra no Rio Grande do Sul", argumenta o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), Luiz Fernando dos Santos Reis, que reivindica a mudança no processo.
O TCU, porém, não entende dessa forma e tem agido com rigor em relação ao assunto. No ano ado, detectou os primeiros indícios de irregularidade na construção da Ferrovia Norte Sul, sob gestão da estatal Valec - cujo ex-presidente José Francisco das Neve está envolvido no esquema de fraude detectado esta semana no Ministério dos Transportes. Descontente com a acusação de sobrepreço, a construtora responsável pelo trecho entre Aguiarnópolis (TO) e Anápolis (GO) desistiu de executar a obra e entrou na Justiça. O processo ainda não foi julgado.
Esse caso foi apenas a ponta do iceberg na ferrovia. Hoje a Polícia Federal e o Ministério Público investigam outra suspeita de superfaturamento no trecho entre Santa Isabel a Uruaçu, em Goiás. As investigações indicam que, desde o lançamento do edital, as regras adotadas direcionaram a licitação em favor da construtora vencedora. A ferrovia, lançada em 1986 pelo presidente José Sarney, até hoje não foi concluída. Durante toda sua história, esteve associada a acusações de irregularidades e favorecimento de empresas.
Mas nem todas as ações envolvendo obras de transportes são decorrentes de fraudes. Há uma série de questionamentos provocados pela má qualidade dos projetos básicos. Reis afirma que as suspeitas de sobrepreço muitas vezes surgem a partir de serviços que precisam ser executados, mas não constavam no edital. "Isso porque as sondagens não detectaram a necessidade de usar uma determinada tecnologia - mais cara - por causa de um tipo de solo."
O problema tem reflexos também nos estudos ambientais, que são elaborados de forma superficial e entram na mira de ambientalistas e do Ministério Público. É o caso das obras de dragagem, derrocagem e sinalização da Hidrovia Tietê-Paraná. O Ministério Público exigiu a elaboração de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/Rima) e a indenização da colônia de pescadores.
Para lembrar
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi lançado em janeiro de 2007 com o objetivo de eliminar os principais gargalos da infraestrutura brasileira. Mas não demorou muito para o governo perceber que o problemaera mais complexo do que se imaginava. A maioria dos cronogramas estipulados pelo governo para a inauguração das obras não era cumprido por causa de ações judiciais e questionamentos de órgãos ambientais. Além disso, o governo descobriu uma enorme dificuldade para gastar o orçamento reservado para as obras.
Falta de planejamento é o problema, dizem especialistas
Embora seja proibido por lei, representantes do setor dizem que governo licita obras sem as informações necessárias
Renée Pereira
A escalada dos processos contra as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é reflexo da falta de planejamento para aumentar o volume de investimentos no País, afirmam especialistas. "Tudo é resultado da antiga mania de querer fazer uma obra sem elaborar projetos de qualidade. Esse é o X do problema", avalia o presidente da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop), Luciano Amadio Filho.
Representantes do setor de infraestrutura afirmam que, apesar da legislação proibir, em várias ocasiões o governo licita obras sem todas as informações necessárias para o início das obras. Na prática, a medida implica expansão do prazo de conclusão do projeto e aumento de despesas, diz o presidente da Apeop. Para não ficar no prejuízo, as empresas pedem a revisão dos contratos e acabam levantando suspeitas sobre a operação.
Tudo isso graças à cultura de improvisação do Brasil na execução de obras, dizem os especialistas. Até mesmo os desentendimentos ocorridos no processo de desapropriação poderiam ser evitados se houvesse planejamento, afirma o presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco), João Alberto Viol. "Em alguns casos, o projeto poderia ser desviado para áreas de propriedade do governo, o que causaria menos dor de cabeça."
Clareza. A preparação de um empreendimento, especialmente aqueles que serão licitados, envolve o levantamento de uma série de informações, como localidade do projeto, tipo do terreno, qualidade do solo, tecnologia a ser usada, impactos ambientais e modelagem financeira. A falta de clareza e de detalhes dessas informações pode dar margem a uma série de questionamentos, como vem ocorrendo nos últimos anos com as obras do PAC.
O diretor da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Newton Azevedo, afirma que a baixa qualidade dos projetos (que compõem o edital de licitação) é um grave entrave à celeridade dos empreendimentos de saneamento básico, em que as prefeituras são responsáveis pelos estudos. Ele afirma que os municípios têm grande dificuldade para executar e contratar empresas que façam o trabalho conforme as exigências da legislação.
"Com projetos ruins, o processo licitatório na maioria dos casos não vai para frente ou é embargado por decisões judiciais." Foi o que ocorreu, por exemplo, com obras de saneamento no Mato Grosso. O Ministério Público Federal conseguiu liminar para suspender as obras por causa da existência de inúmeras ilegalidades no edital de licitação. As suspeitas foram levantadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e depois investigadas pelo Ministério Público.
Outro problema que turbina o volume de processos contra obras do PAC é a disputa entre empresas concorrentes. Às vezes, as ações judiciais surgem antes da licitação porque alguma companhia não concorda com as condições do edital. "Aí elas entram na Justiça para ter o direito de participar do processo", diz Amadio Filho, da Apeop.
Há também questionamentos após a licitação. Nesses casos, as empresas pedem que a Justiça faça a revisão do resultado. Isso normalmente ocorre quando o lance dado pela vencedora é bem mais baixo que o da maioria dos concorrentes.
Um dos argumentos usados é o de que a empresa não terá condições de tocar o empreendimento e que, mais adiante, pedirá reequilíbrio econômico-financeiro, afirma o presidente da VAE Consultores, Francinete Vidigal Jr.
OESP, 10/07/2011, Economia, p. B1, B4
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