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País desperdiça água e ainda carece de esgoto

O Globo, O País, p. 13
23 de Mar de 2004

IBGE: país desperdiça até 40% da água tratada

Lisandra Paraguassú e Toni Marques

O Brasil ainda desperdiça até 40% de água tratada, segundo dados do "Atlas de saneamento" do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado ontem. O levantamento cruza dados do último censo, da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz. O resultado, na avaliação do IBGE é, mais uma vez, um país desigual nos níveis regionais e municipais. Quase metade dos municípios brasileiros não tem serviço de esgotamento sanitário.

De 1989 a 2000, o número de pessoas que têm o a rede de água cresceu, mas também cresceu a distribuição de água sem tratamento: de 3,9% em 1989 para 7,2%.

Segundo Marcos Thadeu Abicalil, assessor técnico da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais, dois fatos explicam o aumento: a expansão da fronteira agrícola na Região Norte, que praticamente cria cidades de uma hora para outra por causa da soja e da pecuária, sem os devidos investimentos em infra-estrutura de abastecimento, e a exploração de poços particulares, que por lei estadual e federal deveriam receber autorização e sofrer fiscalização.

País precisaria deR$ 180 bi, diz entidade

A realidade brasileira do saneamento, segundo ele, é a da desigualdade, que faz com que as regiões mais ricas tenham melhores condições de infra-estrutura de consumo de água e sanitária.

- Os serviços são melhores onde há maior população e maior atividade econômica - diz Abicalil.

Segundo cálculos da entidade, o Brasil precisaria investir, durante 20 anos, cerca de R$ 180 bilhões, ou R$ 9 bilhões por ano. O secretário nacional de saneamento ambiental do Ministério das Cidades, Sérgio Gonçalves, disse que a falta de recursos seria uma das razões para ter aumentado o percentual de pessoas que hoje tem o à água não tratada. Segundo ele, o governo federal pretende investir R$ 1,6 bilhão no orçamento e mais R$ 2,9 bilhão em empréstimos com recursos do FAT e do FGTS para financiar ações de saneamento básico.

- Não houve um fluxo constante de recursos nos últimos anos, o que levou aos problemas que enfrentamos hoje - disse o secretário.

As empresas locais responsáveis pela captação não teriam tido, nos últimos anos, condições de investir em novos equipamentos e também na busca de novos mananciais. Essa seria, também, a razão para os constantes racionamentos, especialmente nas grandes cidades. Segundo o "Atlas", cerca de 20% dos municípios enfrentaram, em 2000, racionamento constante ou ocasional.

Gonçalves lembra que são as secretarias estaduais e municipais de saúde as responsáveis por fiscalizar a qualidade da água consumida. No entanto, a pressão no sistema de abastecimento faz com que pessoas estejam buscando água para usar em áreas não-tratadas e não-fiscalizadas.

No início do mês que vem, o Palácio do Planalto deverá mandar para o Congresso o marco regulatório do saneamento, uma lei que vai regular o sistema no país preparada por um grupo de trabalho interministerial. O mesmo grupo decidiu a divisão de responsabilidade entre os ministérios que tratam de saneamento para atender aos pontos críticos. As metrópoles que hoje concentram o maior número de pessoas sem o a água tratada e esgoto serão atendidas pelo Ministério das Cidades. Cidades menores, especialmente no Norte, serão atendidas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

SP tem mais casos de leptospirose

O "Atlas do saneamento", ao cruzar dados do Censo com os do Sistema Único de Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz, mostra que São Paulo, com maior número de municípios que sofreram inundações ou enchentes, em 2000, foi também o estado com maior número de casos de leptospirose. Foram 242; em segundo lugar ficou Recife, com 203 casos. Esta foi a cidade com o maior número de mortes causadas pela doença, 21. Das 20 cidades com maior incidência de leptospirose, quatro estão em Pernambuco. A leptospirose é uma doença de veiculação hídrica, transmitida pelo contato da água com urina de ratos.

A diarréia, outra doença de veiculação hídrica, também matou mais no estado de São Paulo: foram 802 óbitos em 2000, enquanto Recife teve 679 mortes.

O diretor de geociência do IBGE, Guido Gelli, observa que os gastos com saúde pública no Brasil poderiam ser menores se houvesse mais investimento em saneamento.

- A questão da drenagem e a do lixo ainda não são adequadas - disse ele, durante o lançamento do "Atlas". - Grande parte dos recursos investidos em saúde pública poderiam ter sido poupados. É preciso ver quanto se gasta com as doenças de veiculação hídrica e o quanto se deveria investir em saneamento.

- As políticas públicas têm de se basear nas desigualdades, o que ainda não foi feito no Brasil - completa Marcos Thadeu Abicalil. (Toni Marques )

OGlobo, 23/03/2004, O País, p. 13

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