O Globo, O País, p. 14
27 de Mai de 2011
Ambientalistas enterrados sob clima de medo no Pará
Marcelo Remígio, com G1
RIO - Os ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foram enterrados no fim da manhã de ontem no Cemitério de Marabá, no Pará. Cerca de três mil pessoas acompanharam a cerimônia, após um protesto contra a morte do casal e o crescimento da violência envolvendo questões de terra e extração de madeira no estado. O cortejo percorreu um trajeto de oito quilômetros, provocando comoção na população. O clima era de medo entre os extrativistas. Durante toda a noite e a madrugada, líderes extrativistas promoveram um vigília. O governo Dilma Rousseff não mandou representante.
Após o enterro, líderes rurais, amigos e parentes dos ambientalista visitaram a ponte sobre um igarapé onde o casal foi assassinado, em Maçaramduba, a 50 quilômetros do município de Nova Ipixuna e fizeram uma homenagem aos dois extrativistas. Após o ato, eles seguiram para a casa onde morava o casal. No local, representantes do governo federal, do Ministério Público e das polícias Federal e Civil do Pará promoveram uma reunião com lideranças extrativistas para falar do crime.
- Recebemos a garantia de empenho nas investigações da autoria do crime e na manutenção do trabalho comunitário promovido por José Cláudio e Maria, que beneficiava 500 famílias com a exploração sustentável da floresta. Também houve a garantia de combate à extração ilegal de madeira - afirmou o diretor Regional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Atanagildo Matos, do qual o casal fazia parte
Hoje, o grupo volta a se encontrar para avaliar como andam as investigações das mortes. Sem a participação de ministros ou representantes nacionais de partidos, o enterro teve a presença dos deputados federais da bancada paraense Cláudio Puty (PT) e José Geraldo (PT), além dos deputados estaduais Edilson Moura (PT), Bernadete Catem (PT), Milton Zimmer (PT) e João Salame (PPS).
Ambientalistas denunciaram extração ilegal de madeira
Maria e José Cláudio foram assassinado por pistoleiros, na última terça-feira. De acordo com a irmã do ambientalista, Claudelice Silva dos Santos, o casal denunciou a extração ilegal de madeira para produção de carvão e a criação de áreas de pasto, o que rendeu várias ameaças de madereiros. Durante o enterro, ela voltou a ressaltar que as ameaças foram registradas na delegacia de Nova Ipixuna, informação contestada pela polícia.
- Estou muito emocionada, levando meu irmão e minha cunhada para um lugar de onde eles não terão volta. Os dois já haviam registrado as ameaças na imprensa, no Ibama e feito representação no Ministério Público Federal. É preciso registrar um boletim para a polícia saber? Alegar agora que não se sabia que eles eram ameaçados é ridículo - reclamou.
O delegado Silvio Maués, diretor de Polícia Judiciária do Interior no estado do Pará, afirma que o casal não chegou a registrar boletim de ocorrência de ameaça na Polícia Civil:
- Eles não tinham feito boletim de ocorrência de ameaça. A família tem o direito de estar bastante abalada, e todos os dados que estão sendo trazidos por eles estão sendo investigados. Trabalhamos com várias hipóteses.
Vinte policiais civis e uma equipe da Polícia Federal participam das investigações. Não há testemunhas do crime, mas moradores da região e extrativistas já começara a ser ouvidos informalmente sobre as ameaças feitas por madeireiros.
Ficou no ado
Assassinados no Pará com requintes de crueldade no dia da votação do Código Florestal na Câmara, os ambientalistas José Cláudio e Maria foram enterrados ontem. Nenhuma autoridade de peso compareceu . N e m mesmo representantes do governo federal. Apenas deputados do Pará.
Não foi assim com o líder seringueiro Chico Mendes. Até 22 de dezembro de 1988, ele já era uma referência entre sindicalistas e ambientalistas do mundo inteiro por sua atuação em defesa da Amazônia, mas estava longe da popularização em escala mundial que seu nome ganharia então.
Na Xapuri natal, a 188km de Rio Branco (AC), ele foi assassinato naquele dia , quando saía de casa.
Três dias depois, Chico Mendes era enterrado. No cortejo até o cemitério, formado por cerca de 500 pessoas, rostos conhecidos eram vistos atrás de faixas - que exigiam justiça e reforma agrária, e lançavam Luiz Inácio Lula da Silva a candidato a presidente da República: a atriz Lucélia Santos, o jornalista Fernando Gabeira, Fábio Feldman (na época deputado pelo Partido Verde) e Lula, que, no velório, comparou o martírio de Chico Mendes aos de Cristo e Tiradentes.
Dezesseis anos após a morte de Mendes, em 15 de fevereiro de 2005, já presidente, Lula também se destacaria, mas por sua ausência, no enterro da freira americana Dorothy Stang, assassinada três dias antes, em Anapu (PA). O presidente foi representado pelo então governador acreano, Jorge Viana (PT).
Ontem, Lula não foi ao enterro do casal de ambientalistas no Pará, mas participou do velório do ex-senador Abdias Nascimento, no Rio.
O Globo, 27/05/2011, O País, p. 14
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