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Belo Sun: Ibama lava as mãos e projeto destruidor da mineradora canadense ganha impulso

Sumaúma - https://sumauma.com/belo-sun-ibama-lava-as-maos-e-projeto-destruidor-da-mineradora-canaden
Autor: Rafael Moro Martins
18 de Fev de 2025

Belo Sun: Ibama lava as mãos e projeto destruidor da mineradora canadense ganha impulso
O órgão federal apelou à Justiça para sair do licenciamento ambiental e a responsabilidade ou para o governo de Helder Barbalho, favorável à proposta. A mina de ouro ameaça uma das regiões mais biodiversas da Amazônia, já gravemente afetada por Belo Monte

Rafael Moro Martins, Brasília
18 fevereiro 2025

A saída do Ibama do licenciamento ambiental de uma gigantesca mina de ouro na Amazônia paraense, feita a pedido do próprio órgão ambiental federal, pode tirar do papel um projeto que promete impactar comunidades Indígenas e Ribeirinhas, abrir dois enormes buracos onde hoje há Floresta e erguer uma barragem de rejeitos com material tóxico perto do Rio Xingu. O projeto da mineradora canadense Belo Sun, bloqueado por disputas judiciais sobre o licenciamento ambiental há mais de uma década, quer revirar 620 milhões de toneladas de terra, mais do que o peso do morro do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, próximo a uma das regiões mais biodiversas da Amazônia, a Volta Grande do Xingu - área já bastante impactada pela Usina Hidrelétrica Belo Monte.

As dimensões da mina - e da destruição ambiental que ela vai causar - impressionam. Para levar embora cerca de 6 toneladas de ouro por ano e faturar mais de 60 bilhões de reais ao final da exploração, Belo Sun deixará às margens do Xingu 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos contendo substâncias tóxicas. É o equivalente ao volume de 14 mil piscinas olímpicas - aquelas usadas para provas de natação nos Jogos Olímpicos, com 50 metros de extensão, 25 de largura e 2 de profundidade. As pilhas de material retirado vão chegar a 140 metros de altura. O Copan, célebre edifício ondulado projetado por Oscar Niemeyer no centro de São Paulo, tem 115 metros. Tudo isso ficará a cerca de 1 quilômetro de um trecho do Rio Xingu onde os peixes já sumiram por causa de Belo Monte, conforme mostram estudos.

A mina de ouro em Paracatu, Minas Gerais, dá uma ideia do que Belo Sun deixaria aos humanos e mais-que-humanos da Volta Grande do Xingu. Foto: Divulgação/MME

A batalha judicial pelo licenciamento ambiental do projeto se arrasta na Justiça. Belo Sun pediu as licenças para iniciar o que chama de "Projeto Volta Grande" à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, a Semas, em 2012. Dois anos depois, o Ministério Público Federal, MPF, acionou a Justiça para que o processo de licenciamento fosse entregue ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. O MPF argumenta desde então que a gigantesca mina vai afetar um Rio federal e Terras Indígenas que pertencem à União, portanto a atribuição do licenciamento é federal. Também produzirá impactos que se somam e se acumulam aos já causados por Belo Monte, usina localizada poucos quilômetros acima no Rio Xingu e cujo licenciamento ambiental foi conduzido pelo Ibama. Enquanto a definição sobre a atribuição não era resolvida, a Semas entregou, em 2017, uma licença de instalação a Belo Sun - ela está pendente por causa de outra ação judicial que exige consultas às comunidades Indígenas da região.

Em 2018, a Justiça Federal da primeira instância deu razão ao MPF e afirmou que o licenciamento deveria, sim, ser atribuição do Ibama. Belo Sun recorreu. O órgão federal - à época sob o governo do emedebista Michel Temer -, também. Alegou que o licenciamento não era papel dele. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o TRF1, manteve o licenciamento com o Ibama, argumentando que ele deveria estar a cargo da autarquia federal, que, "ainda que por decisão judicial, licenciou Belo Monte, e, portanto, pode adequadamente avaliar as interações entre os empreendimentos e suas repercussões nas comunidades Indígenas vizinhas".

Em 2023, já sob o governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva, o Ibama insistiu na tese de que licenciar Belo Sun não era sua responsabilidade, alegando que a mina de ouro não vai produzir impactos diretos no Rio Xingu ou em Terras Indígenas. Em 24 de janeiro ado, o TRF1 refez sua própria decisão e devolveu o licenciamento à Semas. Com isso, Belo Sun precisa apenas encerrar as providências do que tecnicamente se chama de Componente Indígena - entre elas a consulta a comunidades do entorno do projeto - para que a licença de instalação cedida em 2017 pela Semas entre em vigor e a megamina seja implementada na região.

Para organizações que acompanham o caso, a decisão judicial em que pesou a opinião do Ibama facilita a abertura da megamina ao colocar seu licenciamento sob a influência política de um interessado nela: o governador paraense Helder Barbalho, do MDB. "Em dois meses, o Projeto Volta Grande avançou muito. A mineradora está concluindo as consultas prévias aos povos Indígenas, conseguiu que a Aldeia São Francisco [uma comunidade Indígena dentro da área de interesse da mineradora que pediu ao governo federal para não ter sua terra demarcada após pressões de Belo Sun] desistisse dos seus direitos territoriais e agora obteve na Justiça a decisão que torna o licenciamento estadual. É difícil imaginar tudo isso acontecendo sem que tenha havido apoio do governo federal", diz a advogada Ana Carolina Alfinito, assessora jurídica da organização não governamental Amazon Watch. Representantes da mineradora negam que tenha havido pressão sobre a comunidade de São Francisco.

O Ibama, de Rodrigo Agostinho, não quer licenciar Belo Sun. O governo do Pará, de Helder Barbalho, quer a mina de ouro - e vai licenciá-la. Fotos: Bruno Peres e Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Em nota enviada à SUMAÚMA, o Ibama afirma que se baseou na Lei Complementar no 140/2011, que fixa normas para a cooperação entre União, estados e municípios para os licenciamentos ambientais. A argumentação se apoia em três pontos, segundo a assessoria jurídica do Ibama - que é coordenada pela Advocacia-Geral da União, a AGU. O Projeto Volta Grande não está sobre uma Terra Indígena e não fará mineração no Rio Xingu. Também, diz o Ibama, não há articulação entre os projetos de Belo Sun, que está no entorno do Xingu, e de Belo Monte, que se encontra efetivamente no Rio e cujo licenciamento foi deferido pelo Ibama.

Ainda que, de fato, a mina de Belo Sun não se sobreponha a nenhuma Terra Indígena, ela afetará territórios já demarcados que são lar dos povos Juruna/Yudjá e Arara. A mina também terá impactos diretos na Aldeia São Francisco, mas os Indígenas dali desistiram da demarcação após ser pressionados por Belo Sun. Com isso, evitaram que a entrada do Ibama no licenciamento fosse incontornável. Além disso, é consenso entre quem acompanha a discussão que o projeto aprofundará os estragos ambientais já causados pela hidrelétrica no ecossistema da Volta Grande. É o que se chama, na linguagem técnica, de impacto sinérgico e cumulativo: os danos ambientais da mina de ouro vão ocorrer num ecossistema já muito afetado pela usina. O prejuízo será multiplicado.

O Ibama fez o licenciamento ambiental de Belo Monte por força de uma ação movida pelo Ministério Público Federal. "Eles [os procuradores jurídicos do Ibama] sempre tentam se eximir da tarefa de fazer o licenciamento ambiental", diz a SUMAÚMA um procurador do MPF familiarizado com o caso de Belo Sun. "Diziam que Belo Monte não era deles, agora dizem a mesma coisa de Belo Sun. É uma posição que independe do governo de plantão."

Surpreendidos com a decisão de fins de janeiro, os procuradores que tocam o caso prepararam um recurso, apresentado em 7 de fevereiro ado. "Restou constatado, de forma incontroversa, que há impactos sinérgicos [combinados] entre os empreendimentos (Belo Sun e UHE Belo Monte)", argumentam na peça. "Seria ilógico supor que impactos sinérgicos e cumulativos entre dois empreendimentos pudessem ser licenciados por órgãos diferentes. O licenciamento não é estático. As mudanças constantes, notadamente sobre o volume de água na Volta Grande do Xingu a cada mês, determinado pelo Ibama, causaram interferência direta em Belo Sun."

O escritório da Belo Sun fica no Assentamento Ressaca, que está no terreno que o Incra cedeu à mineradora num acordo considerado nulo pela Justiça. Foto: João Laet/Sumaúma

Oficialmente, o Ibama apega-se a um entendimento ortodoxo da Lei Complementar no 140/2011. "Não é querer ou não querer [licenciar Belo Sun]. A gente tem aqui no Ibama uma orientação da Procuradoria Federal Especializada [um braço da Advocacia-Geral da União que atua no órgão], já há mais de [uma] década, de que não é nosso [o papel de licenciar] aquilo que a Lei Complementar não diz. É uma leitura fria da lei", justifica-se Claudia Jeanne da Silva Barros, que é analista ambiental concursada do Ibama desde 2010 e, desde 2023, sua diretora de Licenciamento Ambiental.

"Belo Sun não está dentro do Rio Xingu, nem de Terra Indígena. Está do lado de Terra Indígena, do lado do Rio Xingu, mas isso não é condição da Lei Complementar 140 para definir que é competência do Ibama", alega Rodrigo Agostinho, o presidente do órgão. "Impacto sinérgico também não é condição prevista na lei para definir a competência do Ibama."

Não é bem assim, diz o MPF. No recurso, os procuradores do caso citam uma portaria interministerial de 2015 - posterior à Lei Complementar, portanto - que prevê a intervenção federal nos processos de licenciamento "quando a atividade ou o empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em Terra Indígena ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na Terra Indígena".

O procurador regional da República Gustavo Pessanha Velloso ainda oferece uma provável explicação para a falta de interesse do Ibama em dirigir o licenciamento da megamina de ouro. No recurso, ele escreve que a opção pelo licenciamento pela Semas "apenas se justifica em uma compreensão falaciosa do princípio da eficiência, que não prima pela melhor proteção do bem jurídico ambiental, mas pela celeridade do processo e pelo 'desafogamento' do órgão federal, que, em vez de se estruturar para cumprir sua missão institucional, busca o caminho mais fácil, eximindo-se de suas atribuições".

Quem vive na Volta Grande, onde já há grande sofrimento com os danos causados por Belo Monte e a expectativa de uma segunda catástrofe caso Belo Sun seja autorizada, tem uma visão mais crua das coisas. "Acho que o Ibama não quer ficar com esse licenciamento [da mina de ouro] porque sabe da cagada que fez com Belo Monte", diz uma liderança Indígena da região. Para preservar sua segurança, o nome dele não será publicado. "Estamos sofrendo vários impactos não previstos no EIA [Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte], e o Ibama não está sabendo como lidar com isso", afirma a liderança. "Com Belo Sun, vai ser outro impacto, cumulativo, sobre a Volta Grande. E o Ibama não quer se responsabilizar." Ainda assim, ele não tem dúvidas de que será pior ainda sem a participação do órgão federal. "Com a Semas os povos Indígenas e Ribeirinhos vão ficar muito vulneráveis", prevê.

Árvores mortas, afogadas pela criação do reservatório da Usina Hidrelétrica Belo Monte, que já alterou ecossistemas na Volta Grande do Xingu. Foto: Lela Beltrão/SUMAÚMA

Rodrigo Agostinho, que foi deputado federal pelo PSB e presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara durante o governo do extremista de direita Jair Bolsonaro, afirma discordar do que está na Lei 140/2011. "Quase toda a [atribuição de licenciar] mineração saiu do Ibama. Acho que parte deveria ter continuado aqui. E, particularmente, gostaria que [o licenciamento de Belo Sun] ficasse com o Ibama. Não porque eu ache que o Ibama faz licenciamento melhor que os órgãos estaduais. Mas porque a gente mantém uma estrutura permanente em Belo Monte [para acompanhamento do impacto ambiental da hidrelétrica]. É um caso único, entre 4 mil empreendimentos que licenciamos. É preciso olhar de forma integrada [para Belo Sun e Belo Monte]. Mas não é o que está na lei", afirma.

Um servidor que atua na Diretoria de Licenciamento do Ibama - e falou a SUMAÚMA sob a condição de não ser identificado - oferece outro ponto de vista. "A Lei Complementar faz com que seja de certa forma confortável para o Ibama negar esses licenciamentos. Está na lei, nos apegamos a ela e pronto." Seria diferente, ele avalia, se houvesse respaldo político "de um governo abertamente favorável ao meio ambiente" a um "Ibama com mais estrutura e capacidade de gerenciar crises".

Nada disso existe atualmente. Em 12 de fevereiro, Lula atacou o Ibama ao dizer que o órgão "parece [agir] contra o governo" pela demora em autorizar outra licença, esta para que a Petrobras pesquise se existe petróleo na Foz do Rio Amazonas. Num ambiente desses, a prudência manda que se use "o regramento para se proteger". Outro servidor resume a discordância entre o que é a autarquia, hoje, e o que se esperava que ela fosse: "As pessoas acham que o Ibama é uma entidade ambientalista, mas é apenas um órgão ambiental".

Luiz Inácio Lula da Silva ataca o Ibama por outro licenciamento, o de um poço de petróleo na Foz do Amazonas, e inibe o órgão ambiental. Foto: Mateus Bonomi/AFP

'Apetite político'

Entidades que acompanham o caso de Belo Sun acham que é justamente a política que poderia mudar as coisas. "Se o governo federal tivesse apetite político para isso, o Ibama ficaria com o licenciamento. Mas não interessa que ele se torne um entrave. Belo Sun é um projeto que o governo federal deseja", afirma Ana Carolina Alfinito, da Amazon Watch.

Presidente da República pela terceira vez, Lula nunca se pronunciou publicamente sobre Belo Sun. Mas a megamina de ouro faz parte do rol de prioridades do Ministério de Minas e Energia. Já Helder Barbalho, do MDB, governador do Pará, disse em 2021 que pretende implantar "a maior refinaria de ouro do país" no estado que governa - com o auxílio da mineradora canadense. Ele falava do mesmo Pará que, em novembro deste ano, sediará a conferência do clima da ONU, a COP-30.

Foi justamente em 2021 que o Projeto Volta Grande caiu nas graças do governo federal. Em março daquele ano, o então presidente Bolsonaro, um entusiasta da mineração, criou o Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos. O grupo tinha a tarefa de escolher "os projetos minerários considerados relevantes para a ampliação da produção nacional de minerais estratégicos", inclusive "para fins de apoio ao licenciamento ambiental". Eles aram a integrar um programa chamado Política Pró-Minerais Estratégicos, que segue em vigor.

A quarta reunião do comitê, em novembro de 2021, analisou a mina que Belo Sun pretende construir no Xingu. "O projeto Volta Grande possui várias complicações [mas], devido à relevância do projeto, vale o esforço dos Órgãos da istração Pública em função do resultado que pode ser auferido no final", diz a ata do encontro. O documento acrescenta que "o projeto está na área de influência da Usina de Belo Monte e por vezes os assuntos se confundem" e que, "por isso, necessita de uma articulação e atenção com vistas ao resultado que pode ser auferido".

Em 2023, já no governo Lula, o Ministério de Minas e Energia publicou um relatório de acompanhamento dos projetos habilitados na Política Pró-Minerais Estratégicos. O texto menciona que Belo Sun "informou que a ação civil pública da federalização do licenciamento continua sem decisão, apesar de o Ibama se manifestar contra reiteradamente". Trata-se, justamente, do processo que sofreu uma reviravolta em 24 de janeiro. Por fim, o documento revela que a mineradora canadense tinha interesse em ver seu projeto incluído no novo PAC - o que acabou não ocorrendo.

No Ibama, SUMAÚMA ouviu de várias fontes que nunca houve pressão por Belo Sun. Mas, em outro órgão público federal, há resistência a tomar uma decisão que, embora determinada pela Justiça, contraria o interesse da mineradora canadense: o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra. Em 2021, o órgão assinou um contrato cedendo à mineradora pelo menos 1.400 hectares de uma área destinada à reforma agrária, conforme SUMAÚMA mostrou em reportagem de dezembro do ano ado. Trata-se do Projeto de Assentamento Ressaca.

Parte do terreno do Projeto de Assentamento Ressaca, antes destinado à reforma agrária, foi entregue à mineradora Belo Sun pelo Incra. Foto: João Laet/SUMAÚMA

Ocorre que o contrato foi assinado sem que o Incra alterasse formalmente para que aquela área estava reservada - o que, na linguagem técnica, é chamado de desafetação. Assim, para efeitos legais, a área entregue a Belo Sun segue reservada para reforma agrária. A Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado do Pará foram à Justiça, que reconheceu a nulidade do contrato em novembro de 2024. Porém, SUMAÚMA apurou que, mesmo sob Lula, o Incra resiste a desfazer o acordo com Belo Sun. Pelo contrário, a tendência é que o órgão recorra para tentar mudar a sentença. Questionado oficialmente a respeito, o Incra confirmou que ainda não recorreu porque "o prazo para isso está em curso, e a análise, sendo realizada pelas áreas pertinentes". Enquanto isso, Belo Sun já age como se a área fosse sua - ela está cercada e é vigiada por seguranças privados contratados pela mineradora.

Questionada sobre o acordo com o Incra ainda em 2024, Belo Sun nunca apresentou uma resposta a SUMAÚMA. À Justiça, a mineradora negou irregularidades no contrato - que foi, posteriormente, considerado nulo na sentença de primeira instância.

Argumentos sem discussão

A decisão do TRF1 que colocou Belo Sun fora do alcance do Ibama foi relatada pelo desembargador Flávio Jaime de Moraes Jardim. Ele chegou ao tribunal em março de 2024 - menos de um ano atrás, portanto - numa das vagas destinadas a ser preenchidas por advogados.

No recurso que apresentou à decisão de Jardim, o MPF vê com estranheza o fato de os argumentos de Belo Sun e do Ibama terem sido acolhidos "sem nenhuma discussão em sessão" e após ser retirados da pauta por quatro vezes. O voto do relator Jardim, acatado por unanimidade, diz que "as premissas que deram fundamento ao acórdão [que havia entregado o licenciamento ao Ibama]", que são "a impossibilidade de aferição da sinergia de impacto [entre Belo Monte e Belo Sun], o grande impacto sobre o Rio Xingu e o impacto direto sobre comunidades Indígenas, foram construídas sobre omissões e contradições" que "implicam a necessidade de reforma" da sentença.

Nenhum dos integrantes da 6ª Turma que assinam a nova decisão participou do julgamento que, em 2023, decidiu que o Ibama deveria licenciar o Projeto Volta Grande. O MPF argumenta que o acórdão produzido por Jardim está "inquinado [ou seja, manchado] de obscuridade", e que parte de premissas usadas por ele não encontram respaldo nos fatos - ou seja, em decisões anteriores do próprio TRF1 e do Supremo Tribunal Federal que determinaram a competência do Ibama para casos como o de Belo Sun. SUMAÚMA pediu à assessoria do TRF1 uma entrevista para que Jardim falasse sobre a sua decisão e os argumentos da procuradoria, mas o órgão não respondeu.

SUMAÚMA perguntou à Semas se haverá independência e autonomia para analisar o Projeto Volta Grande, uma vez que o governador já se declarou publicamente favorável ao projeto. A assessoria de imprensa do órgão se limitou a afirmar, por escrito, que "ainda não recebeu o processo de licenciamento ambiental do empreendimento da empresa Belo Sun Mineração e que, portanto, não tem conhecimento sobre o trâmite atual do processo, bem como desconhece os procedimentos que teriam sido adotados pelo órgão ambiental federal no processo de licenciamento da referida empresa".

Questionada sobre a disputa, Belo Sun informou, em e-mail enviado por seus representantes no Brasil, que "tem como dever, compromisso e regra de governança seguir e observar a legislação do país" e que "cumprirá, rigorosamente, as decisões definitivas dos órgãos do Poder Judiciário, como deve ser e é de sua obrigação".

Distantes dos gabinetes de Brasília e Belém, as populações tradicionais da Volta Grande veem com apreensão o avanço de Belo Sun. Muitos já o sentem no dia a dia. Os moradores do Projeto de Assentamento Ressaca, por exemplo, precisam se submeter à truculência e aos desmandos dos seguranças privados armados contratados pela mineradora - sob o olhar complacente do Incra. Por isso, a luta contra o que as populações tradicionais da Volta Grande chamam de um novo fim do mundo - o primeiro foi Belo Monte - se impõe. "Ali é um território de resistência", lembra a defensora pública estadual do Pará Andreia Barreto, coautora de ações que questionam os procedimentos da mineradora canadense. "São populações que resistiram durante anos a Belo Monte. E ainda haverá muita resistência a Belo Sun."

Ribeirinhos já prejudicados por Belo Monte percorrem o Rio Xingu, de barco, perto de onde Belo Sun quer abrir sua mina. Foto: João Laet/SUMAÚMA

Reportagem e texto: Rafael Moro Martins
Edição: Talita Bedinelli
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Célia Arruda
Montagem de página e acabamento: Natália Chagas
Coordenação de fluxo editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de Redação: Eliane Brum

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