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Cadê os unicórnios da floresta?

OESP - https://acervo-socioambiental.informativomineiro.com/
Autor: COSLOVSKY, Salo
10 de Abr de 2025

Cadê os unicórnios da floresta?
Instrumentos apropriados podem revelar obstáculos invisíveis que impedem sucesso de negócios compatíveis com floresta na Amazônia brasileira

Salo Coslovsky
Professor da Universidade de Nova York e pesquisador do Amazônia 2030

10/04/2025

Nas discussões sobre mudanças climáticas, a bioeconomia desponta como um dos pilares da agenda positiva. À primeira vista, o tema não contraria os interesses de ninguém. Melhor ainda, ela promete um futuro mais próspero, inclusivo e sustentável. Por isso, o tema gera entusiasmo quando emerge nas discussões. Como diz meu amigo Beto Veríssimo, sempre que os membros dos diferentes grupos de Whatsapp dedicados à natureza, ao clima e à COP-30 ficam desalentados com alguma sequência de notícias ruins, basta alguém postar algo sobre a bioeconomia que o otimismo retorna.

Muitas das reportagens que provocam esse efeito revitalizador citam uma análise que elaborei alguns anos atrás. O estudo estima que empreendimentos sediados na Amazônia brasileira já exportam cerca de 60 produtos compatíveis com a floresta e faturam uma média de US$300 milhões anuais. Não é uma fortuna, mas é uma prova concreta de que é possível produzir na Amazônia com qualidade e eficiência. Ainda mais animador, o mesmo estudo mostra que o mercado global desses 60 produtos movimenta quase US$200 bilhões por ano. O potencial de crescimento dos negócios da Amazônia é quase ilimitado.

Mas se o potencial é tão vasto e o entusiasmo tão generalizado, por que esses negócios ainda não deslancharam? Em pesquisas subsequentes, identifiquei três grupos de obstáculos que nos ajudam a responder essa questão. Curiosamente, os problemas mais intuitivos e vistosos não são os mais importantes.

No primeiro grupo, encontram-se as barreiras estruturais, amplamente conhecidas e que incluem a precariedade de estradas, portos, energia, comunicação e segurança pública. São problemas clássicos de países mais pobres e especialmente graves na Amazônia. Cada um desses entraves afeta múltiplos setores produtivos de uma vez. Por isso, são fáceis de enxergar e motivam muitas discussões. Ninguém discorda que a responsabilidade por solucioná-los recai sobre o Estado. Sabemos também que não é tarefa fácil resolvê-los, mas tampouco é tarefa tão urgente quanto parece. Há bons indícios de que os negócios da floresta podem avançar bastante antes desses problemas serem plenamente resolvidos.

No segundo grupo, encontram-se os obstáculos empresariais: a aquisição de instalações, maquinário e capital de giro, a contratação de funcionários qualificados, o desenvolvimento de uma linha de produtos atraentes e o esforço para conquistar bons clientes, sempre com o objetivo de manter custos abaixo da receita. Esses obstáculos recaem exclusivamente sobre cada empreendedor. Empreendedores talentosos são raros e valiosos. Formá-los é importante, mas, quando a possibilidade de lucros desponta no horizonte, eles aparecem por conta própria.

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O terceiro grupo de obstáculos é o mais crítico e também o mais intrigante. Ele inclui aqueles problemas que afetam todas as empresas de um determinado ramo ou setor, mas têm pouca relevância para negócios de outros setores, mesmo que sejam elos adjacentes de uma mesma cadeia. Esses problemas são desafiadores pois ocupam um limbo: por um lado, são demasiado específicos para capturar a atenção continuada dos governantes. Por outro, afetam todas as empresas daquele segmento. Por isso, o custo de resolvê-los costuma ser maior do que o benefício que pode ser apropriado por um empreendimento em particular, por mais altruístas que sejam seus diretores.

Sem dono claro, esses problemas perduram. E, mesmo que pareçam pequenos, eles atravancam os negócios, alienam os formuladores de políticas para desenvolvimento econômico e afastam os empreendedores mais ambiciosos e pragmáticos, que preferem investir seu talento em outros setores ou locais.

Nas ciências empíricas como biologia, química e física, a invenção de novos instrumentos de medição permite avanços muito além daquilo que parecia imaginável. Exemplos incluem o raio-X, o microscópio eletrônico, o espectrômetro de massa, o acelerador de partículas e o sequenciador de DNA. Antes deles, inventamos o telescópio, o barômetro, o cronômetro, o astrolábio e tantos outros. Esses equipamentos permitem aos cientistas examinar fenômenos iníveis ao ser humano dotado apenas dos cinco sentidos naturais - visão, tato, olfato, paladar e audição.

Similar aos fenômenos subatômicos, bioquímicos e interestelares, os desafios setoriais são difíceis, talvez impossíveis, de observar sem um instrumento adaptado para essa função. Foi por isso que ajudei a ApexBrasil a montar as Mesas Executivas de Exportação. Inspirada numa experiência peruana, a Mesa Executiva é um instrumento inovador de fomento econômico desenhado para identificar e remover gargalos de natureza setorial.

O funcionamento é relativamente simples de explicar. Cada Mesa dedica-se a identificar os problemas de um único setor. Para ilustrar, a primeira Mesa montada pela ApexBrasil dedica-se ao beneficiamento da castanha. Todo mês, ela reúne um grupo fixo de 10 a 15 líderes de beneficiadoras de castanha pré-selecionados e que constituem a vanguarda do setor. Um servidor da ApexBrasil preside a reunião, acompanhado de uma pequena equipe de técnicos. Juntos, os integrantes da Mesa buscam identificar os problemas mais prementes que afetam seus negócios e avaliar possíveis soluções.

Uma premissa básica da Mesa é que esses líderes conhecem seu setor melhor do que ninguém. Ainda assim, não dá para se iludir. O conhecimento de cada um costuma ser enviesado, fragmentado, superficial, impreciso e desatualizado. Para corrigir esses problemas, a Mesa funciona como um dispositivo que coleta, filtra, sintetiza e valida o conhecimento detido pelos diferentes participantes. Os membros da equipe de apoio são responsáveis por organizar, complementar e analisar os dados com o rigor característico das melhores pesquisas científicas. O representante do setor público usa sua legitimidade para conectar os pleitos levantados pela Mesa com os órgãos públicos que podem responder dúvidas e atender solicitações.

Logo após ser instaurada, a Mesa Executiva da Castanha identificou uma série de problemas setoriais, incluindo questões ligadas aos sistemas nacionais de crédito rural, verificação de qualidade sanitária e fitossanitária, eficiência produtiva e inovação. Há alguns dias, expliquei o conceito das Mesas a um grupo de processadores de açaí e eles logo sugeriram vários problemas que afetam seu setor, incluindo a normatização dos diferentes termos - creme, polpa, sorvete - assim como padrões mínimos de qualidade e o tratamento tributário nos diferentes estados. Eles mencionaram também como seria proveitoso ter um sistema de previsão de safra e o desafio de melhorar as condições de saúde e segurança das pessoas que coletam os frutos.

Em resumo, a Mesa está cumprindo seu papel, especialmente na identificação dos problemas setoriais que permaneceriam invisíveis sem este instrumento. O o seguinte, mais desafiador, envolve a resolução desses obstáculos setoriais, e a experiência tem mostrado que resolver problemas reais é bem mais difícil do que diagnosticá-los. Acima de tudo, estamos aprendendo que, para transformar o potencial da bioeconomia amazônica em realidade, não basta celebrá-la como conceito ou insistir em iniciativas vistosas porém sem efeito prático. O que precisamos é uma mistura de ambição, humildade e engenhosidade para renovar nosso arsenal de instrumentos, reconhecendo que o aprimoramento das atividades econômicas sustentáveis é gêmeo conjugado do aprimoramento do próprio Estado.

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