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A crise climática é também sanitária

O Globo - https://oglobo.globo.com/
Autor: ROSA, Guastavo; ARAUJo, Ari
06 de Mai de 2025

A crise climática é também sanitária
Relatar o impacto do clima na saúde é uma das formas mais eficazes de despertar atitudes e respostas

06/05/2025

Gustavo rosa
Médico e membro do Programa de Jovens Líderes da Academia Nacional de Medicina

Ari Araújo
Médico e membro do Programa de Jovens Líderes da Academia Nacional de Medicina

O aquecimento global não é apenas uma estatística: já é sentido nas prateleiras do mercado e nas UTIs dos hospitais. Ele reorganiza ecossistemas, amplia desigualdades e impõe crescentes desafios aos serviços de saúde em todo o mundo. Ondas de calor extremo, inundações e incêndios florestais estão associados ao aumento de doenças respiratórias, cardiovasculares e infecciosas. A crise climática é também uma crise sanitária.

A pandemia de Covid-19 foi um grande alerta. A destruição de hábitats naturais favoreceu o salto de hospedeiros animais para humanos. A insegurança alimentar também está na mesa. Secas severas e eventos extremos ameaçam safras e reduzem o o à água potável em diferentes partes do mundo. Resultado? Aumento da desnutrição, migrações forçadas e novas tensões geopolíticas. O conceito de saúde planetária emerge como um novo paradigma: nossa saúde depende da saúde dos nossos ecossistemas.

Nesse contexto, um desafio central e silencioso se impõe: a crise climática é, antes de tudo, uma crise de comunicação. Dados científicos, por si só, não são capazes de mobilizar. Relatar o impacto do clima na saúde é uma das formas mais eficazes de despertar atitudes e respostas. Precisamos contar histórias, traduzir riscos em cuidados e aproveitar a confiança da sociedade em médicos e cientistas. Como na luta contra o cigarro, precisamos de um convencimento positivo. O desafio não é apenas técnico ou político, mas também narrativo. Se o medo paralisa, o futuro precisa inspirar.

No entanto esse futuro vai nos exigir mais que dados e previsões catastróficas. Demandará uma abordagem integrada e colaborativa entre saúde, meio ambiente e desenvolvimento já agora, no presente. O Brasil, casa de alguns dos maiores cientistas climáticos do mundo e anfitrião da próxima cúpula do clima (COP30), tem papel de protagonista diante desse desafio. Para além das mesas das conferências, a agenda precisa estar na cabeça de quem tem a caneta na mão. É aqui que entra a diplomacia científica.

Num mundo aquecido e polarizado, a cooperação internacional é imprescindível. Nenhum país pode enfrentar sozinho os desafios de um planeta em transformação, afinal poluição atmosférica, pandemias e desastres ambientais não respeitam fronteiras. Precisamos de novos pactos de governança global baseados na diplomacia em saúde, um novo paradigma que se impõe aos novos acordos internacionais de cooperação e investimentos em saúde e ciência.

Por fim, a crise climática é também indissociável de disputas por equidade e legitimidade: dos países que abrigam grandes florestas, dos povos originários, das populações mais vulneráveis. Sem justiça social, ecologia vira paisagismo, como disse Chico Mendes. Na busca por justiça social e climática, não há espaço para o reducionismo de escolhas binárias ou antigas utopias. A solução a por transições inovadoras e inclusivas, mas também financeiramente factíveis. A China, mesmo sendo grande emissor de carbono, tem liderado o barateamento das energias renováveis. O Texas, segundo maior investidor em renováveis nos Estados Unidos, é também o maior produtor de petróleo. A sustentabilidade é uma oportunidade de otimizarmos custos, sermos mais eficientes e - ousamos aqui dizer - justos.

Já extrapolamos os limites propostos há dez anos pelo Acordo de Paris, então o que podemos esperar da COP30? A ciência nos antecipa previsões alarmantes, mas também nos abre, a cada dia, novas fronteiras de futuro com a inovação, a digitalização e a inteligência artificial. Temos hoje o dever de repensar, sem pessimismos, nossas estratégias de comunicação em saúde e ciência à luz das novas formas de diplomacia. É chegada a hora de uma nova coragem: coletiva, informada e - ainda assim - baseada em esperança.

https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/05/a-crise-climati…

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