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Jogo com o dinheiro público

O Globo, Rio, p. 8
01 de Mai de 2006

Jogo com o dinheiro público
Governo estadual usa 30% das verbas do Fecam em obras sem fins ambientais

Qual o ganho para o meio ambiente com a construção de um viaduto sobre uma linha férrea? E com uma quadra esportiva dentro de um conjunto habitacional? Pois essas e outras obras vêm sendo feitas com recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam), instituído em 1986 com o nome de Fundo Especial de Controle Ambiental, para financiar projetos voltados à política estadual de controle ambiental. Vinte anos depois, o que se vê são obras que am longe do objetivo inicial da lei que criou o fundo.

O orçamento destinado ao Fecam em 2005 foi de R$196.887.391. Um levantamento feito pela Comissão de Meio Ambiente da Alerj, com base no Sistema de Acompanhamento Financeiro do Estado (Siafen), mostra que cerca de 30% (R$59 milhões) do fundo foram empenhados em obras até defensáveis do ponto de vista jurídico, mas questionadas por ambientalistas, especialistas e por integrantes do próprio conselho superior do Fecam, responsável pelo gerenciamento dos recursos.

Bondinho e metrô, R$40 milhões

Exemplos desses empenhos em 2005 não faltam. Uma das obras já está pronta: um viaduto, que liga a Via Light à Estrada de Madureira, usou R$934.045 do fundo. O site de notícias do governo do estado, porém, noticiou a obra como "um projeto para desafogar o trânsito no centro de Nova Iguaçu".

Também com o dinheiro do fundo foram feitas obras de iluminação, áreas de lazer e quadras de esporte no conjunto habitacional Nova Sepetiba, sob a alegação de que a área é de proteção ambiental. O gasto foi de R$1.470.514.

A reforma da cobertura do edifício Pedro Ernesto, em São Cristóvão, onde ficava a sede da Feema, antes de o prédio ser atingido por um incêndio em 2002, também está na lista de empenhos do Fecam (R$77.344). O mesmo acontece com as obras de modernização dos bondes de Santa Teresa e do metrô de Copacabana, que juntas somam mais de R$40 milhões em empenhos.

Representante da Assembléia Permanente das Entidades em Defesa do Meio Ambiente (Apedema) no Conselho Superior do Fecam, o geógrafo Vagner da Silva Oliveira vai propor no próximo congresso da instituição o desligamento da entidade do conselho.

- O Fecam é o maior empreendedor das obras do estado. E hoje fazemos parte do conselho apenas para legitimá-las, já que junto com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) somos os únicos representantes da sociedade civil. Nossos votos não têm peso, porque somos minoria - argumenta.

Além da presidente, Angela Fonti (secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), o conselho superior do Fecam tem outros seis membros efetivos - quatro representantes do governo estadual, um da Apedema e um da Firjan. O Ministério Público, pela lei do Fecam, também teria lugar no conselho, mas a Procuradoria-Geral de Justiça entende que o MP não pode dar consultoria jurídica a entidades públicas.

Na última reunião do conselho, em 5 de abril, foi aprovado um projeto de R$9.939.107 para a manutenção do Piscinão de Ramos. Os representantes da Apedema e da Firjan se abstiveram da votação.

- Diante do valor elevado e do questionamento levantado por alguns conselheiros da Firjan sobre a função ambiental do piscinão, nos abstivemos da votação - justifica Paulo Pizão, representante da Firjan no conselho.

O deputado Carlos Minc, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alerj, lamenta que o fundo seja usado para outros fins que não o meio ambiente. Minc lembra que projetos como o de despoluição da Baía de Sepetiba e a dragagem do Rio Paraíba do Sul estão parados por falta de verbas, enquanto o dinheiro do Fecam é destinado a obras sem interesse ambiental imediato.

- O governo alega que tudo o que eles fazem com o dinheiro do Fecam tem uma finalidade ambiental, o que é mentira. Usam a verba do fundo para as obras do metrô alegando que assim diminuirão a poluição do ar - lamenta Minc.

SECRETARIA DEFENDE O USO DOS RECURSOS
Especialistas da UFF e da UFRJ questionam objetivos das obras

A alegação do governo do estado é de que as obras têm finalidade ambiental. Em nota, a Secretaria estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (Semadur) diz que "as obras descritas se enquadram na função desenvolvimento urbano com evidente reflexo no seu entorno e, conseqüentemente, no meio ambiente". A secretaria acrescenta que uma emenda constitucional alterou, em 2000, o artigo 263 da Constituição Estadual, modificando a razão do Fecam (de Fundo de Conservação Ambiental para Fundo de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano). Porém, o mesmo artigo, no item cinco do parágrafo terceiro, explica que os recursos podem ser usados em "programas de desenvolvimento urbano integrados aos projetos locais e regionais de desenvolvimento que contemplem soluções para os problemas ambientais locais".

Na avaliação do coordenador da Rede UFF de Meio Ambiente e Desenvolvimento, Júlio Cesar Wasserman, do ponto de vista ético, os recursos deveriam ser aplicados em projetos de estruturação ambiental, preparando o estado para o ciclo pós-petróleo, já que o Fecam é composto basicamente do ree de 5% da arrecadação dos royalties.

- É evidente que as obras mostram um viés eleitoreiro. A exploração de petróleo, atividade extremamente poluente e degradadora, deve iniciar seu processo de desativação em cinco a dez anos, enquanto a pavimentação de ruas pode render votos hoje.

Para Haroldo Mattos de Lemos, professor de gestão ambiental da Escola Politécnica da UFRJ e primeiro presidente da Feema, na década de 70, a utilização do fundo estaria na contramão da história:

- Chegando a um extremo, é possível dizer que a construção de um viaduto reduz engarrafamentos, economizando combustível e poluindo menos o ar. Mas os problemas ambientais do estado pedem soluções imediatas, que não estão sendo contempladas. É uma pena que o Fecam tenha perdido o objetivo inicial.

Ação na Justiça

Não é a primeira vez que o estado desvia verbas do Fecam. De 1995 a julho de 2003, R$841.756.178 não foram aplicados no fundo, segundo o Tribunal de Contas do Estado. Por isso, o Ministério Público (MP) estadual cobra na Justiça o ree do dinheiro. Há um mês, o MP entrou com recurso contra a decisão, em novembro, da juíza Georgia Vasconcellos, titular na época da 3ª Vara de Fazenda Pública, que deu parecer favorável ao estado, sob a alegação de que o fundo era inconstitucional. Em 2003, o estado conseguiu aprovar uma emenda ao artigo 263, da Constituição Estadual, sobre o Fecam, reduzindo de 20% para 5% o ree dos royalties do petróleo para o fundo.

O Globo, 01/05/2006, Rio, p. 8

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