VOLTAR

Justiça já recebeu 146 ações que ameaçam emperrar obras do PAC

OESP, Nacional, p. A4
Autor: SUNDFELD, Carlos Ari
31 de Jul de 2007

Justiça já recebeu 146 ações que ameaçam emperrar obras do PAC
Atento à situação, governo mobilizou força-tarefa na AGU só para defender programa federal nos tribunais

Silvia Amorim

Depois da polêmica sobre os prazos para a concessão de licenças ambientais para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a próxima ameaça à principal vitrine do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem dos tribunais. Um levantamento feito pela Advocacia-Geral da União (AGU) identificou 146 ações na Justiça que contestam empreendimentos do PAC - problema recorrente no País (leia entrevista nesta página). Em alguns casos, há pedido de suspensão das obras. Nessa lista, estão a duplicação da BR-101, a usina hidrelétrica de Estreito (MA) e a transposição do Rio São Francisco.

Preocupado com o impacto dessa enxurrada de processos no programa, o governo mobilizou uma força-tarefa na AGU para tratar exclusivamente dos processos referentes ao PAC. O objetivo é acelerar a derrubada das decisões contrárias às obras e impedir que essas questões jurídicas comprometam o andamento do plano.

O grupo, formado por 20 advogados, em atuação desde junho, é algo inédito no governo. "Não tenho conhecimento, no âmbito da AGU, da formação de um grupo de trabalho com essa amplitude para coordenar um único programa", afirmou o procurador-geral federal, João Ernesto Aragonês Vianna.

O motivo da mobilização é simples: o PAC é a menina dos olhos do governo petista e a principal aposta política e eleitoral do presidente e do seu partido. Ele representa a possibilidade de Lula deixar sua marca em uma das áreas mais deficientes do País, a infra-estrutura.

Essa não é a primeira pedra que aparece no caminho do governo Lula em relação ao PAC. Em abril, três meses depois do lançamento do programa, foi constatado que a demora na concessão de licenças ambientais pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) estava travando a construção de usinas hidrelétricas no Rio Madeira. A pressão para que o PAC dê resultados é tão grande no Palácio do Planalto que, para não comprometer o programa, Lula mexeu na estrutura do Ibama. Dividiu o órgão em dois, criando uma área concentrada na concessão de licenças.

Com a briga na Justiça, a salvação é o exército montado na AGU. As ações atingem vários setores - desde contestações de processos de desapropriação a pedidos de mudança de projetos e interrupção de obras.

DERROTAS

As derrotas do governo nos tribunais começaram cedo, três meses depois do anúncio do PAC. Uma das primeiras decisões desfavoráveis, em abril, foi a que mandou suspender as obras da usina hidrelétrica de Estreito, no Maranhão. A Justiça Federal aceitou liminar do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e determinou a interrupção da construção até a realização de novos estudos sobre o impacto das obras na vida dos índios craôs, apinajés e cricatis.

A AGU recorreu e, no fim de maio, derrubou a liminar. Em junho, porém, uma segunda ação chegou à Justiça, contestando a mesma obra - ainda não há decisão. A Federação da Agricultura do Estado do Tocantins (Faet) pede que seja construída uma eclusa na hidrelétrica. A ação inclui pedido de liminar para suspender a obra, caso não seja autorizado o acréscimo no empreendimento.

Na semana ada, o governo recebeu a notícia de mais uma derrota. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a suspensão da licitação para o primeiro lote das obras de transposição do São Francisco, após pedido de um dos consórcios participantes da disputa. Critérios para habilitação das concorrentes teriam sido modificados depois da apresentação das propostas.

Outro alvo das ações é a duplicação do trecho sul da BR-101. Nesse caso, o problema é com as desapropriações. "Tem várias ações questionando os valores da indenização definidos pela União", explica Vianna.

O governo não cogita, por enquanto, que os processos possam atrapalhar a execução do PAC. "Na verdade, considero 146 um número pequeno, considerando que o PAC tem 1.646 demandas", disse. "Poderia ter impacto negativo, se estivéssemos trabalhando de maneira desarticulada em cada órgão. Mas está tudo centralizado, o que agiliza as contestações."
Vianna não acredita em aumento das contestações. "O PAC foi bastante discutido e bem construído."

Só 20 empresas e governos levam 56%do dinheiro

Apesar de aparecer no discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um projeto federativo, que beneficiará todo o País, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem prestigiado com ampla vantagem uma pequena parcela das 1.007 empreiteiras e istrações já agraciadas com recursos federais. Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que apenas 20 empresas e governos estaduais e municipais abocanharam, juntos, R$ 726,7mil desde janeiro, o que equivale a 56% do total de R$ 1,3 bilhão já liberado.

A lista, baseada em dados do Sistema Integrado de istração Financeira (Siafi), é liderada pela Construtora Queiroz Galvão, envolvida em obras rodoviárias em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Pernambuco. A empresa recebeu sozinha R$ 94 milhões. Em seguida, vieram a SPA Engenharia, que levou R$ 79,9milhões, e a Companhia de Transporte de Salvador (CTS), com R$ 77,4 milhões. Em 4o, veio a Construcap, com R$ 45,9milhões, e a Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos, com R$ 36,7milhões.

As empreiteiras ocupam boa parte das posições, mas istrações públicas e estatais também se destacaram. O governo do Acre ficou em 5o, com R$ 38,5 milhões, e a Petrobrás em 12o, com R$ 26 milhões. A Prefeitura de São Paulo ficou em 9o, com R$ 32,4 milhões. Na lista, estão ainda Delta Construções, Fidens, Barbosa Melo, Egesa, ARG, Terrabras, CBEMI, Triunfo, Oriente, Sanches Tripolini, OAS e DER-PB.

'Isso mostra judicialização da gestão'
Para especialista, fenômeno decorre do vício de adiar decisões e evitar custo político das escolhas

Gabriel Manzano Filho

Entrevista com Carlos Ari Sundfeld: advogado constitucionalista

A enxurrada de ações contra o Programa de Aceleração do Crescimento é mais um episódio do avançado processo de judicialização da gestão pública no Brasil. E esta decorre do vício brasileiro de adiar decisões, de evitar a todo preço o custo político das escolhas. "Essa cultura virou método de trabalho na istração pública, e isso é um desastre", adverte o advogado constitucionalista Carlos Ari Sundfeld, um dos maiores especialistas em direito istrativo do País.

"As autoridades jogam tudo para a frente, recusam-se a pagar o preço político de decidir um conflito entre duas partes importantes", diz o jurista. A saída, para ele, "é fortalecer o princípio dos precedentes judiciais - fazer valer a súmula vinculante, em suma - e criar políticas legislativas e istrativas claras e consistentes".

O PAC já enfrenta 146 ações na Justiça. Por que tanta resistência?

Isso mostra o ponto a que chegou a judicialização da gestão pública no Brasil. Há vários foros para debater políticas públicas, eles convivem de modo precário e tudo deságua numa grande quantidade de iniciativas contrárias.

As assessorias jurídicas do governo trabalham mal e abrem brechas para os embargos?

Há de tudo um pouco. Há, sim, problemas técnicos e razões para polêmica, mas também a judicialização. Esse é um fenômeno mundial: o que está em curso é uma judicialização da vida. No caso do Brasil, isso tem explicações próprias. Primeiro, buscamos demais na legislação as soluções de compromisso - e quase sempre elegemos soluções que adiam a decisão. Por exemplo, numa lei sobre saneamento: o que é municipal, o que é estadual? O texto é feito com base em acordos políticos e as divergências são jogadas para a frente.

Por que o processo se agravou?

Isso veio junto com a formação de maiorias nos parlamentos: todo mundo quer levar um pouquinho. A negociação é sempre do tipo "ou é assim ou não se aprova". Acabou virando método de trabalho na istração pública, o que é um desastre - pois, desse modo, o País gasta um tempo enorme para fazer qualquer coisa.

O que falta, então, é firmeza?

Numa sociedade com tantos lobbies, sem firmeza não se vai a lugar nenhum. Hoje, o se sente fraco diante dos obstáculos jurídicos que limitam seus os.

Mas há problemas técnicos e novas realidades sociais também.

Há, de fato. Mas também temos uma lei que abre brechas porque ela quer dizer tudo. A legislação ambiental é típica: a sociedade a apóia, mas não quer discutir perdas e danos.

A Justiça não perde com isso?

A judicialização acaba sendo fonte de crises. Um dos aspectos é que o Judiciário perdeu o respeito pela legislação como valor absoluto, pela segurança jurídica. Os juízes am a atuar como construtores, buscam novas soluções que segundo eles vão trazer progresso.

Não estão no papel deles?

A Justiça tem hoje um alto nível de arbitrariedade, de imprevisibilidade. Há juízes no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que são militantes ambientais. Outros, consumeristas. Há um forte personalismo, que enfraquece o papel da Justiça.

OESP, 31/07/2007, Nacional, p. A4

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.