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Mel do sertão do Piauí conquista EUA e Europa

OESP, Economia, p. B7
19 de Jan de 2004

Mel do sertão do Piauí conquista EUA e Europa
Exportação beneficia 700 famílias de apicultores do município de Simplício Mendes

Priscila Néri

Tudo começou com os votos de pobreza de um padre alemão que chegou ao sertão nordestino em 1989. A missão de dom Edilberto, como era conhecido, era ajudar o povo castigado pela seca a encontrar novas formas de produzir renda para sobreviver e permanecer no campo. Para vencer a guerra contra a miséria, o padre escolheu uma arma diferente: abelhas. Em Simplício Mendes, um município a 416 km de Teresina, dom Edilberto deu início a um projeto de apicultura e ensinou agricultores de três comunidades da região a produzir mel.
Hoje, 15 anos mais tarde, a Associação de Apicultores da Microrregião de Simplício Mendes (Aapi) congrega 700 famílias em 19 comunidades espalhadas por sete pequenos municípios da região. Em 2001, a associação recebeu o selo de exportação do Serviço de Inspeção Federal (SIF) do Ministério da Agricultura e ou a vender pequenas quantidades de mel para a Itália, por meio de uma rede mundial de comércio justo. No ano ado, Simplício Mendes exportou seu mel para os Estados Unidos e embarcou 70% de sua produção, de 92 toneladas, para o mercado externo.
O sucesso do mel trouxe muitas novidades a esta cidade de 10 mil habitantes encravada no sertão piauense. De uma economia predominantemente de subsistência, os apicultores aram a contar também com uma renda real.
Segundo José de Anchieta Moura, consultor da Aapi, os associados tiveram uma renda média de R$ 1.500 no ano ado. "Pode parecer pouco, mas é muito para quem não tinha condições de sequer comprar uma colméia", diz. Na falta de uma, hoje já são 6 mil colméias, uma média de 10 por produtor.
A família do aposentado Geraldo Alves da Silva, um dos fundadores da Associação dos Apicultores do Assentamento da Lagoa da Caridade, um dos municípios que integram a Aapi, deixou de depender só da criação de cabras depois de descobrir o mel. Hoje são 43 colméias, istradas por 2 dos 11 filhos de Silva, uma produção que cria uma renda de cerca de R$ 200 por mês para a família. Depois da primeira exportação, para a Itália, Silva reuniu sua família para ver o que chegara como pagamento - uma nota de euro.
"Parece com a de R$ 20 novinha", disse o apicultor, na época.
No semi-árido, a apicultura tem se provado uma alternativa viável de desenvolvimento e produção de renda. "A florada silvestre desta região - marmeleiro, jurema, juazeiro, cajueiro, cipó de uva e umbu-cajá - proporciona um mel puro de altíssima qualidade", explica Darcet Costa Souza, professor de apicultura na Universidade Federal do Piauí.
Em 2001, Souza coordenou um projeto criado para melhorar a qualidade do mel de Simplício Mendes. O programa "Mel com Qualidade", que foi implementado ao longo do ano, reformou as chamadas casas de mel, onde o mel é centrifugado, qualificou os apicultores e introduziu novas tecnologias no processo de extração e processamento. "Enquadramos todos os procedimentos nas exigências fitossanitárias do Ministério da Agricultura", explica. Este ano, acrescenta o professor, a Aapi pretende obter a certificação de mel orgânico para seus produtos, o que pode abrir novas portas no mercado internacional.
Hoje, o Brasil é o sétimo produtor mundial de mel, com uma produção estimada em 35 mil toneladas por ano. A China, com uma produção anual de 200 mil toneladas, lidera o ranking, embora tenha perdido muito mercado nos últimos dois anos por causa de uma contaminação de seu mel.
Em 2001, muitos países vetaram a entrada do mel chinês em razão do uso excessivo de agrotóxicos. A lacuna deixada pela China abriu espaço para novos produtores, como o Brasil. Os apicultores de Simplício Mendes, por exemplo, chegaram a exportar mel por US$ 2,80 o quilo. Hoje, este valor está em US$ 2,20, e em queda devido a rumores de que a China está retornando ao mercado.
"O Brasil tem uma diversificação muito grande de florada, o que lhe dá uma enorme vantagem em relação aos outros países", diz o presidente da Confederação Brasileira de Apicultura, Joail Humberto Rocha de Abreu. "Como o mel depende da flor e cada flor tem seu néctar próprio, o País tem imenso potencial." No Brasil, o Piauí já é o maior Estado produtor de mel, ultraando Santa Catarina, que tradicionalmente ocupou a liderança.
O avanço de Simplício Mendes foi reconhecido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que concedeu menção honrosa à Aapi num prêmio para exportadores concedido no ano ado. "Este projeto traz dignidade para famílias inseridas num cenário de pobreza extrema", avalia Alreni Lima Silva, gestora do Projeto Setorial Integrado de Apicultura do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Piauí (Sebrae-PI). "Sempre me emociono quando lembro daquele apicultor segurando a nota de euro na mão.
É uma imagem que simboliza todo avanço de Simplício Mendes."

OESP, 19/01/2004, Economia, p. B7

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