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O missionário contra o aquecimento global

O Globo, Ciência e Vida, p. 33
Autor: GORE, Al
19 de Out de 2006

O missionário contra o aquecimento global
Ex-vice americano se diz um popstar ao difundir mensagem ecológica e vê esperanças de mudanças no Congresso

Entrevista: Al Gore

Al Gore reciclou a sua própria imagem. Ex-vice de Bill Clinton, candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos em 2000, derrotado por George W. Bush numa controvertida eleição decidida pela Suprema Corte americana, ele abandonou a política e se transformou num apaixonado defensor da causa ecológica. Um tema que, na verdade, vem chamando a sua atenção desde seus tempos de deputado, nos anos 1970.

No momento, Gore, de 58 anos, é a estrela do filme "Uma verdade inconveniente", que estréia no Brasil em novembro. Dirigido por Davis Guggenhein, o filme reproduz a palestra que Gore tem feito pelo mundo, há quase dois anos, sobre as conseqüências do aquecimento global.

A mais recente parada dessa espécie de turnê verde do "ex-futuro presidente dos Estados Unidos" (como ele se apresenta na abertura do filme) foi em São Paulo, na noite da última terça-feira, durante a entrega do prêmio Eco, promovido pela Acocham (Câmara Americana de Comércio).

Um pouco antes de apresentar uma versão atualizada da palestra, só para convidados e fechada à imprensa, ele conversou com O GLOBO. Gore - que hoje mais parece uma estrela do mundo pop do que um político - falou sobre aquecimento global, Google (empresa da qual é conselheiro), internei, Current TV (sua emissora de televisão a cabo interativa), MTV e os seriados "South Park" e "Os Simpsons". E confessou que se sente numa missão.

- Uma missão de mudar a mente das pessoas e fazê-las acordar para a realidade. A crise do aquecimento é uma emergência global em grande escala. É um tema que oferece enormes riscos, mas que também abre oportunidades de vivermos de forma melhor.

O Globo: Inicialmente, o senhor era contrário à idéia de transformar a palestra em um filme. O que o fez mudar de idéia?

Al Gore: Realmente, eu era cético quando me falavam que a apresentação poderia virar um filme. Não tinha noção das habilidades dos cineastas.
Eles têm talentos e habilidades que me fizeram mudar de idéia. E isso foi ótimo. Afinal, não poderia estar fisicamente em todos os lugares onde o filme vai ser exibido.

Como Matt Groening, dos "Simpsons", foi parar no filme?

Gore: Sou grande fã dos Simpsons. Uma das minhas filhas trabalhou com ele no seriado "Futurama". Ficamos amigos e ele se tornou um entusiasta da luta contra o aquecimento global.
Além de fazer um quadro para o filme, ele fez também um clipe promocional. Como retribuição, emprestei minha voz para um dos próximos episódios do seriado dos Simpsons. Faço o papel de uma cabeça sem corpo (risos).

O senhor foi satirizado no seriado "South Park", que o mostrou assustando crianças, ameaçando-as com uma figura que destruiria o mundo, no que seria uma alusão ao aquecimento global. Como encarou isso?

Gore: Não vi esse episódio, só uns trechos. Mas eu encaro com bom humor. Até que possa botar a minha mão na garganta deles (risos).

Por que foi vetada a presença da imprensa na palestra apresentada em São Paulo? Novas informações sobre o aquecimento global não deveriam ser de interesse público?

Gore: Eu recebo imagens para os slides, que estão sob contratos que não permitem a exibição pública. Espero mudar isso no futuro.

Em algumas semanas, os americanos vão às urnas. Pesquisas indicam que os democratas podem retomar a maioria no Congresso. Se isso acontecer, o senhor acha que vai aumentar a pressão para que o governo Bush ratifique o Protocolo de Kyoto e entre na luta contra o aquecimento global? Ou esses temas deveriam estar acima dos partidos?

Gore: Espero que um dia isso esteja acima da política e que os dois partidos dos Estados Unidos dêem apoio a essas questões. Só que, por hora, o presidente Bush está determinado a se opor a qualquer progresso nesse sentido. Por isso, espero que, com uma maioria democrata, essa eventual mudança no Congresso ponha pressão no presidente para que ele faça as coisas certas.

Por causa do desmatamento da floresta amazônica e das queimadas, o Brasil é um dos países que mais contribuem para o aquecimento global. O que acha que pode ser feito para reverter esse quadro?

Gore: A Amazônia é um assunto exclusivo dos brasileiros e cabe a vocês resolver isso. Mas se você me perguntar o que eu faria se fosse brasileiro, argumentaria que o valor econômico da biodiversidade da Amazônia é milhares de vezes maior do que o valor das árvores que são cortadas.

Como conselheiro do Google, como o senhor viu a entrada da empresa na China, com restrições de conteúdo? Isso significou aceitar a censura do governo chinês?

Gore: Nã o acho que isso seja concordar com a censura A política que o Google adotou na China foi diferente de outras empresas. Ele manteve os serviços básicos, sem alterações, e criou uma ferramenta que avisa que um serviço foi cortado por requisição das autoridades locais. Isso ajuda a pôr pressão no governo chinês. Falando em Google, você usa o Orkut? Os brasileiros amam o Orkut! É impressionante.

Como vai a Current TV? Alguns analistas dizem que a emissora perdeu o impacto por causa de sites como o You Tu b e.

Gore: Boa parte da nossa programação é feita pelo público. E isso abre incríveis possibilidades. Eu adoraria ter a Current TV no Brasil, mas ainda não tivemos a oportunidade. Mas é possível ter idéia de como ela funciona através do Yahoo TV, na internet.

O senhor é um dos criadores do General Investment Management.
Como ele funciona? A idéia é provar que é possível conciliar crescimento econômico e sustentabilidade?

Gore: Sim, essa é a idéia. Sustentabilidade , nesse caso, significa proteger o meio ambiente em tomo da comunidade onde você e seus negócios estão inseridos. Cuidar do bem-estar dos seus empregados, ter atenção com a ética nos negócios, esses são os valores acoplados a essa idéia de sustentabilidade.

O que fazemos é integrar esses valores e levá-los ao centro dos negócios.

O senhor foi um dos maiores entusiastas da internet, desde os seus primórdios. Acha que a internet vai, algum dia, substituir a televisão em termos de influência?

Gore: Acho que isso vai acontecer um dia. A internet já teve um impacto revolucionário, mas ainda está nos seus primórdios.
A TV ainda é o meio dominante, mas é uma mídia de mão única.
As pessoas não podem entrar na conversa. A Current TV, por exemplo, quer usar a internet para conectar o seu público com o da televisão. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
A televisão tem um poder hipnótico sobre o público, mas isso deve mudar. O quanto mais rápido, melhor, eu espero.

O senhor esteve na cerimônia do MTV Video Music Awards. Participou também do humorístico "Saturday night live" e esteve no festival de cinema de Cannes. Transitar no universo pop é uma boa forma de despertar a consciência ecológica no público jovem?

Gore: Sou um popstar, não sou? (risos). Sério. Sou velho o suficiente para saber que um tapete vermelho é apenas um tapete. Não vou perder a minha perspectiva. Mas estou muito feliz em poder usar todas as plataformas e mídias para espalhar essa mensagem.

"Uma verdade inconveniente" termina com uma música da cantora Melissa Etheridge.
O senhor é um dos sócios da Apple e certamente tem um iPod. Que artistas estão nele? O que o senhor ouve?

Gore: Tenho algumas coisas clássicas de música brasileira e coisas modernas também, mas confesso que não sei dizer o nome dos artistas. Mas escuto muita música. Gosto de Melissa.
Gosto de Jack Johnson, Mark Knopfler, Johnny Casli, adorei o novo disco de Bob Dylan, gosto do Black Eyed Peas, Dido e também gosto de country, Garth Brooks, coisas assim.

O Globo, 19/10/2006, Ciência e Vida, p. 33

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