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Política Ambiental: Explorar a Amazônia?

Jornal do Brasil-Rio de Janeiro-RJ
Autor: Egberto Pascoal
02 de Set de 2004

Um anteprojeto de lei que circula em Brasília trouxe um velho e importante debate: entre a preservação integral da Amazônia e a exploração comercial de seus recursos florestais, qual o ponto de equilíbrio capaz de salvaguardar a grandeza da floresta e garantir desenvolvimento aos 20 milhões de habitantes que vivem na região? Incapaz de conter o ritmo de desmatamento, e certo da necessidade de aplicar um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, o governo acredita ter matado parte da charada com um projeto de lei que regulamenta a exploração sustentável, tutelada pelo Estado, de florestas públicas pela iniciativa privada. O projeto, em discussão desde o governo FHC, prevê a exploração na Amazônia, por empresas e comunidades locais, de terras públicas em que haja viabilidade econômica para o uso sustentável de madeira, resina, óleos e frutos. Fica proibida a exploração de água e recursos genéticos e minerais. Qualquer empresa em atividade no Brasil pode participar das licitações e dividir o lucro com o governo, que não perde a propriedade. O tamanho dos lotes ainda não foi definido, mas os prazos de concessão para exploração devem variar entre cinco e 60 anos.

Enquanto alguns ambientalistas acusam o projeto de privatizante, o governo e ONGs que contribuíram para a formulação do texto dizem que o objetivo é reduzir o desmatamento ilegal e criar condições para o controle do território. Apenas no ano ado, uma área do tamanho de Sergipe foi subtraída da Amazônia, sendo 96% dela resultado do desmatamento ilegal. "Temos hoje um nicho de atores que vivem de atividades criminosas e no meio do caminho muita gente que vive da exploração da floresta e que tem de ser trazida para a legalidade. E se uma empresa quiser fazer hoje uma exploração sustentável séria na Amazônia, ela não consegue", justifica o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langoni.

Embora estime que 46% das terras na Amazônia sejam públicas, o governo ainda não sabe o tamanho da área a ser explorada. O MMA promete excluir reservas indígenas e extrativistas, remanescentes de quilombos e unidades de conservação. Também ficariam de fora áreas de reconhecida fragilidade ambiental, com problemas no solo e relevo, e terras longe da infra-estrutura necessária para o eventual escoamento do recurso florestal. Depois, o governo ainda precisaria identificar as áreas que não estão em disputa judicial. Do que sobrar, seriam distribuídas para licitação nos primeiros dez anos de validade da lei, mediante consulta pública, cerca de 20% das terras, para a eventual correção de erros no projeto.

O governo pretende cobrar das concessionárias um percentual ainda não definido sobre os bens retirados da floresta, além de uma anuidade prevista em contrato. Com isso, deve arrecadar, numa primeira estimativa, cerca de R$ 200 milhões por ano, nada menos do que metade de todo o orçamento do MMA para 2004. Se o projeto for aprovado este ano no Congresso, como quer o governo, as licitações já estariam valendo em 2007.

Privatização - O projeto gerou rumores de "privatização" da Amazônia, ecoados pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo. O secretário de Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, contraria a tese de privatização e diz que o projeto é uma tentativa de garantir o controle público sobre as terras, aumentando a atuação do Estado na região. "O governo não lida com a idéia de privatização porque ela não existe. A motivação da proposta é justamente criar uma alternativa à privatização como ela ocorre hoje, com o desmatamento ilegal e a grilagem de terras", garante. Segundo ele, as empresas que não seguirem o plano de manejo do Ibama perderão a concessão.

Com a polêmica, o Grupo de Trabalho sobre Florestas do Fórum Brasileiro de Ongs, que reúne as 24 principais instituições e redes atuantes na questão florestal no Brasil, divulgou nota contrariando o risco de privatização. Embora apóie o projeto, a maioria das ONGs, como Greenpeace, WWF e ISA, continua expressando preocupações. Entre alguns dos pontos não contemplados pelo governo estão a obrigatoriedade de realização do Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE) e a priorização da exploração sustentável em áreas de fronteira do desmatamento. Os ambientalistas também exigem a necessidade prévia de estudos científicos em florestas públicas cuja biodiversidade ainda for desconhecida.

"Nós concordamos com o projeto. Agora, o Brasil é farto de boas idéias e ruim de implementação. Se o governo será capaz de impedir essa privatização que vem ocorrendo devido à verdadeira ausência do Estado, essa é outra história", diz o coordenador do Greenpeace para a Amazônia, Paulo Adário.

Outro ponto sensível para os ambientalistas é o sucateamento dos órgãos de fiscalização do governo, vitais para o sucesso da proposta. "O que faz medo no Brasil é a fragilidade institucional. A corrupção é muito alta e os resultados não costumam ser os esperados", alerta o senador amazonense Jefferson Peres.

A preocupação de Peres encontra ressonância em relatório divulgado este mês pelo Grupo de Assessoria Internacional do Programa Piloto de Proteção de Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7) sobre a situação na Área de Influência da BR-163. Lançado como modelo de desenvolvimento sustentável pelo governo Lula, com ação articulada de 14 ministérios, o Plano BR 163 Sustentável tem como objetivo reduzir os impactos ambientais da construção da rodovia de 700 km que liga Santarém a Cuiabá. O IAG, contudo, detectou a intensificação da apropriação ilegal de terras públicas na região. Segundo o documento, os grileiros submetem requerimentos ao Incra para regularizar enormes áreas sobre as quais não dispõem de qualquer direito legal - muitas vezes utilizando procurações de laranjas locais.

Aliás, o projeto ainda terá que ar pelo duro teste do Congresso. Muitos ambientalistas temem que o texto seja retalhado, a exemplo do que sugere a oposição, no Senado, contra o projeto de lei que regulamenta as pesquisas genéticas e a comercialização de transgênicos. "Esse risco realmente existe, mas apenas na medida em que não haja uma posição clara do governo", avalia o ex-ministro de Meio Ambiente e líder do PV na Câmara, Sarney Filho. Capobianco garante que a mobilização virá. "O governo não pode falhar. Nós não teremos desculpas perante a sociedade para falhar na operação porque estaremos recebendo recursos específicos para isso", disse.

Veja como deve funcionar a exploração

Geralmente, a área licitada é dividida em 30 lotes (o número varia de acordo com o tempo de maturação da árvore explorada, no caso da madeira).

Nesses lotes, o plano de manejo, aprovado pelo IBAMA, prevê a exploração efetiva de cerca de 10% da área, geralmente a de maior valor comercial. Além disso, estão poupadas, por exemplo, as sementeiras e árvores jovens, para garantia da renovação natural do lote.

Explora-se um lote por ano, de modo que ao fim do trigésimo ano o primeiro lote explorado já esteja restabelecido, e assim sucessivamente.

Empresas que contrariarem o plano de manejo estabelecido pelo IBAMA perdem a concessão.

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