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15 de Ago de 2024
A renovação da licença de Belo Monte - 5: por que não deve fazer mais barragens na Amazônia
Por Amazônia Real
Publicado em: 15/08/2024 às 08:21
Por Juarez C.B. Pezzuti, Jansen Zuanon, Priscila F.M. Lopes, Cristiane C. Carneiro, André Oliveira Sawakuchi, Thais R. Montovanelli, Alberto Akama, Camila C. Ribas, Diel Juruna e Philip M. Fearnside
Embora o fortalecimento dos procedimentos de licenciamento para novas barragens e a supervisão pelos reguladores das barragens existentes sejam prioridades importantes, estas medidas não seriam suficientes para evitar futuros projetos hidrelétricos desastrosos na Amazônia. Em vez disso, a construção de novas barragens com capacidade instalada de 10 MW ou mais deve ser simplesmente descartada, sem exceção - conforme concluído no relatório do Científico para a Amazônia, de 2021 [1]. Isso inclui as três barragens do atual plano decenal da autoridade elétrica. Uma exceção para uma barragem teórica "boa" abriria uma brecha que causaria um grande impacto líquido, ao permitir que barragens prejudiciais fossem aprovadas na prática [1].
O desastre que ocorre em Belo Monte em um dos lugares com maior diversidade social e biológica do mundo deveria ser um alerta sobre as consequências dos extensos planos hidrelétricos do Brasil, especialmente aqueles que seriam permitidos em terras Indígenas sob um projeto de lei (PL 191/2020) que foi submetido ao Congresso Nacional em 2020 pelo então presidente Bolsonaro e ainda avança para votação. Além das barragens, o projeto abriria terras Indígenas ao agronegócio, à mineração e à exploração madeireira. Juntos, estes poderosos grupos de interesse controlam votos suficientes no Congresso Nacional, não só para aprovar esta lei, mas também para anular qualquer veto presidencial. Na verdade, os principais avanços ambientais alcançados nos primeiros dias após a posse do presidente Lula em janeiro de 2023 foram decretados por "medidas provisórias", que são ordens executivas válidas por 120 dias, e os projetos de lei que promulgariam essas mudanças foram agora rejeitados ou esvaziados pelos "ruralistas" do agronegócio e outros grupos de interesse do Congresso Nacional [2, 3]. Isto também ocorreu no caso de características-chave de uma medida provisória que definia responsabilidades tanto do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas quanto do Ministério dos Povos Indígenas [4].
As questões de como e por quem a Belo Monte deveria ser governada precisam ser abordadas, já que um projeto desta magnitude precisa claramente de um sistema de governança robusto. Este sistema terá de ser concebido principalmente pelas partes interessadas locais, incluindo os povos Indígenas, os ribeirinhose os moradores urbanos, em parceria com técnicos do governo e pesquisadores e técnicos de universidades, institutos de pesquisa e o Ministério Público. Uma abordagem potencial é a "gestão adaptativa", onde as várias partes interessadas se reúnem periodicamente e tentam chegar a acordos [5-7]. O consenso não é garantido, embora seja mais provável do que sem esse sistema, e as medidas de governança podem evoluir ao longo do tempo, tanto para acomodar a evolução das circunstâncias como para a evolução das exigências das partes interessadas. O sistema é tema de pesquisa para aplicação em barragens amazônicas [8].
O governo brasileiro tem planos extensos para futuras barragens hidrelétricas na Amazônia [9, 10], e esses planos permanecem em vigor [11, 12]. O Brasil também planeja se tornar um grande exportador de hidrogênio verde, aproveitando o enorme potencial da energia eólica na costa do país [13], mas esse potencial também é a chave tanto para não construir mais barragens na Amazônia quanto para evitar pressões como a pressão atual para permitir um fluxo inadequado de água na Volta Grande. Se o hidrogénio verde for exportado para a Europa enquanto as cidades brasileiras recebem energia de novas barragens, esse hidrogénio não será "verde". Como pré-condição para a importação de hidrogénio brasileiro, os países europeus deveriam exigir que o Brasil suspendesse todas as construções de barragens na Amazônia e adoptasse um melhor sistema de gestão da água na Volta Grande. A situação dramática na Volta Grande deve motivar um repensar of das políticas energéticas e ambientais no Brasil e em muitos outros países que fecham os olhos às consequências de seus planos para energia hidrelétrica. [14]
A imagem que abre este artigo mostraindígenas Munduruku durante ocupação na construção da barragem de Belo Monte em 2012 (Foto: Atossa Soltani/ Amazon Watch / Spectral Q).
Notas
[1] Fearnside, P.M., Berenguer, E., Armenteras, D., Duponchelle, F., Guerra, F.M., Jenkins, C.N., Bynoe, P., García-Villacorta, R., Macedo, M., Val, A.L., de Almeida-Val, V.M.F., Nascimento, N., 2021. Drivers and impacts of changes in aquatic ecosystems. in: Nobre, C. et al. (Eds.), Amazon Assessment Report 2021. Science for the Amazon (SPA). New York, EUA: United Nations Sustainable Development Solutions Network, Capítulo 20.
[2] ClimaInfo, 2023. Ruralistas pressionam por enfraquecimento de estrutura ambiental do governo federal. ClimaInfo, 10 de maio de 2023.
[3] Gabriel, J., Holanda, M., Oliveira, T., 2023. Governo Lula ite ceder em demarcação de terras Indígenas após pressão do agro. Folha de S. Paulo, 10 de maio de 2023. https://bit.ly/42nTd6s
[4] ClimaInfo, 2023b. Aprovação de MP dos ministérios no Senado confirma enfraquecimento do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. ClimaInfo, 01 de junho de 2023.
[5] Holling, C.S. (ed.), 1978. Adaptive Environmental Assessment and Management. Wiley, Chichester, Reino Unido. 377 p.
[6] Scarlett, L., 2013. Collaborative adaptive management: challenges and opportunities. Ecology and Society 18(3), art. 26.
[7] Walters, C.J., Holling, C.S., 1990. Large-scale management experiments and learning by doing. Ecology 71, 2060-2068.
[8] Athayde, S., Mathews, M., Bohlman, S., Brasil, W., Doria, C.R.C., Dutka-Gianelli, J., Fearnside, P.M., Loiselle, B., Marques, E.E., Melis, T.S., Millikan, B., Moretto, E.M., Oliver-Smith, A., Rossete, A., Vacca, R., Kaplan, D., 2019. Mapping research on hydropower and sustainability in the Brazilian Amazon: advances, gaps in knowledge and future directions. Current Opinion in Environmental Sustainability 37, 50-69.
[9] EPE (Empresa de Pesquisa Energética), 2020. Plano Nacional de Energia 2050. Ministério de Minas e Energia (MME), EPE, Brasília, DF. 230 p. https://bit.ly/40S1hgC
[10] Fearnside, P.M., 2020. Os preocupantes planos do Brasil para hidrelétricas na Amazônia (opinião). Mongabay, 10 de novembro de 2020.
[11] Fearnside, P.M., 2023b. Lula e as hidrelétricas na Amazônia. Amazônia Real. https://bit.ly/3Kh22cL
[12] Fearnside, P.M., 2024. Lula and Amazonia. p. 131-143 In: R. Bourne (ed.) Brazil after Bolsonaro: The Comeback of Lula da Silva. Routledge, New York. NY, EUA. 229 p.
[13] Bethônico, T. 2023. Entenda a corrida pelo hidrogênio verde e por que o Brasil pode ser uma potência. Folha de São Paulo, 10 de janeiro de 2023.
[14] Esta sére é uma tradução de: Pezzuti, J.C.B., J. Zuanon, P.F.M. Lopes, C.C. Carneiro, A.O. Sawakuch, T.R. Montovanelli, A. Akama, C.C. Ribas, D. Juruna & P.M. Fearnside. 2024. Brazil's Belo Monte license renewal and the need to recognize the immense impacts of dams in Amazonia. Perspectives in Ecology and Conservation 22(2), 112-117.
Sobre os autores
Juarez Carlos Brito Pezzuti é biólogo pela Universidade Estadual de campinas UNICAMP, mestre pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA, Ecologia) e doutor pela UNICAMP (Ecologia). Fez pós-doutorado na Universidade de Amsterdam. É professor titular da Universidade Federal do Pará, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPA). Suas linhas de atuação induem ecologia, etnoecologia e manejo comunitário de fauna, com ênfase em répteis aquáticos.
Jansen Alfredo Sampaio Zuanon possui graduação em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1985), mestrado em Biologia de Água Doce e Pesca Interior pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1990) e doutorado em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (1999). Atualmente é Pesquisador Titular III aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Atua principalmente nos seguintes temas: Amazônia, peixes, ecologia, ictiofauna e comunidades.
Priscila Fabiana Macedo Lopes possui graduação em Biologia pela Universidade Estadual de Campinas (2001), onde também obteve mestrado (2004) e doutorado (2008) em Ecologia. Parte do seu doutorado foi realizado na Universidade da Califórnia (Davis), no departamento de Antropologia (Evolutionary Wing). Ela também é cofundadora do Instituto de Pesca e Alimentação, sem fins lucrativos. As suas principais linhas de investigação são a pesca de pequena escala, o comportamento e estratégias dos pescadores e a co-gestão da pesca.
Cristiane Costa Carneiro possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Pará. Atualmente é aluna de doutorado do Curso de Ecologia Aquática e Pesca, Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de Ecologia, atuando principalmente nos seguintes temas: manejo e conservação de quelônios, etnoecologia, pesca e caça de subsistência.
André Oliveira Sawakuchi (2000), mestrado (2003), doutorado (2006) e livre-docência.(2011) em Geologia pelo Instituto de Geociências - USP, IGC - USP. Fez Pós-Doutorado.Oklahoma State University (2007). Atualmente é Professor Associado do Instituto de Geociências da USP. Principais temas de pesquisa incluem: geocronologia por luminescência, mudanças climáticas na Amazônia e sua relação com a biodiversidade e impactos de hidrelétricas em rios da Amazônia. Atua, também, como orientador de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Universidade Federal do Pará (campus Altamira, PA).
Thais R. Montovanelli possui graduação (2006) em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e mestrado (2011) e doutorado (2016) em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos. É pesquisadora vinculada ao Hybrys.·Estuda os impactos da usina Hidrelêtrico de Belo Monte sobre os povos Indígenas junto ao Instituto Socioambiental.
Alberto Akama possui graduação (1993) mestrado (1999) e doutorado (2004) em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo. Atualmente é pesquisador titular do Museu Paraense Emílio Goeldi, onde atua no estudo da diversidade da fauna de peixes amazônicos.
Camila C. Ribas possui graduação em Ciências Biológicas (1996) pela UNESP-Rio Claro, mestrado (2000) e doutorado (2004) em Genética e Biologia Evolutiva pela Universidade de São Paulo. Foi "Chapman Postdoctoral Fellow" junto ao Depto de Ornitologia do American Museum of Natural History (2005-2007) e é pesquisadora associada à mesma instituição desde 2008. Foi pesquisadora (Recém-Doutor, PRODOC) junto ao Depto de Zoologia da Universidade de São Paulo e pesquisadora (Jovem Pesquisador, FAPESP) do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Trabalha atualmente na Coordenacão de Biodiversidade e no Programa de Coleções Científicas Biológicas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, onde é Curadora da Coleção de Recursos Genéticos e ViceCuradora da Coleção de Aves. Tem experiência nas áreas de Genética, Evolução e Zoologia (Ornitologia), com ênfase em Biogeografia, Sistemática Molecular, Filogenia, Filogeografia e Conservação. A pesquisa atual é voltada para o estudo de padrões e processos de diversificação na região Neotropical com ênfase na história biogeográfica da região Amazónica.
Diel Juruna é Coordenador de Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), Aldeia Miratu, Altamira, Pará.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É pesquisador 1A de CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
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