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Autor: LEITE, Marcelo
18 de Mai de 2025
Amazônia sobreviveria à crise do clima, mas com menos árvores
Mortalidade desencadeada por seca artificial estaciona após alguns anos
Marcelo Leite
18.mai.2025 às 8h30
Atualizado: 18.mai.2025 às 21h55
Há tempos atormenta pesquisadores o cenário de uma floresta amazônica definhando até tornar-se mais parecida com o cerrado, a temida savanização. A redução de chuvas na região com o aquecimento global talvez não chegue a tanto, sugere novo estudo, mas nem por isso ele se afigura menos alarmante.
Pablo Sanchez Martinez, da Universidade de Edimburgo, e vários colaboradores -incluindo brasileiros da UFPA e do Museu Goeldi- deram a notícia mais ou menos boa no periódico Nature Ecology & Evolution. Sua ressalva: a floresta pode perder mais de um terço da biomassa contida nas árvores, lançando mais carbono na atmosfera e, assim, realimentando a crise do clima.
Eles chegaram à conclusão repetindo experimento dos anos 1990, o Seca-Floresta, arquitetado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma ONG de pesquisa. Em 2002, o pessoal de Edimburgo cobriu um hectare (10 mil m2) do chão da mata com painéis de plástico, entre 1 m e 2 m do solo, para simular uma estiagem grave, e acompanhou o efeito da falta de chuva na vegetação.
Deu ruim: as maiores árvores do terreno começaram a morrer, como haviam constatado os pesquisadores do Ipam, mortalidade que se prolongou pelos primeiros 15 anos do experimento. A partir daí a floresta se estabilizou, e até aumentou um pouco a água disponível para as que sobraram vivas.
Mesmo perdendo um terço do carbono estocado em madeira, raízes e folhas, a biomassa restante ainda se mostrou maior do que a normalmente contida num hectare de cerrado. Ou seja, em princípio o aquecimento global em curso não transformaria a amazônia numa imensa savana, o cenário mais dantesco.
Contenha o suspiro de alívio, porém. A notícia ainda é muito preocupante, porque a maior floresta tropical do mundo deixaria de ser um sorvedouro de carbono para se tornar uma fonte de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) resultante do apodrecimento ou da queima da vegetação. É o que convencionou chamar de positivo: mais combustível para a fornalha do clima.
E pode ser ainda pior. Os próprios autores do artigo na Nature Ecology & Evolution destacam que só testaram o impacto da redução da umidade no solo. Não consideraram outros efeitos possíveis do aquecimento global, como diminuição da umidade do ar, ventos e tempestades mais fortes ou incêndios florestais, fatores de estresse que ajudariam a empurrar o bioma ladeira abaixo.
É crucial levar em conta que mais de um terço da chuva que cai sobre a amazônia é produzida pela própria floresta. Ela resulta da evapotranspiração, moléculas de água que as folhas liberam de volta para a atmosfera, fazendo da mata com mais de 6 milhões de km² (4 milhões de km² no Brasil) uma monumental bomba hidráulica do clima planetário. Se ela entrar em pane, aí sim estaremos fritos
A maior floresta tropical do mundo poderia adentrar um ciclo vicioso de secura sob o duplo golpe do desmatamento e do aquecimento, que por sua vez seria turbinado pelo carbono emitido na mortalidade das árvores.
Seria, decerto, um cataclismo em câmera lenta, ao longo de décadas e séculos. Incapaz, contudo, de apagar nossas digitais da cena do crime capital contra a natureza e os nossos descendentes.
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