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Economia indígena cria modelos de negócios sustentáveis

Ciclo Vivo - https://ciclovivo.com.br
09 de Ago de 2024

Povos indígenas são exemplo inspirador de como é possível produzir ao mesmo tempo em que se conserva e respeita o meio ambiente

A bioeconomia tem chamado cada vez mais a atenção de mercados que buscam se adequar para um modelo de negócio sustentável e coerente, levando em conta as demandas de recursos naturais, práticas de justiça social e bem-estar para as sociedades. Mas, na visão de muitos pensadores indígenas, o que hoje se chama bioeconomia são práticas culturais milenares de povos originários, que tem, a partir de seus modos de vida, relações intrínsecas com a natureza.

Precisamos urgentemente de relações de observação e respeito ao meio ambiente, para mudar os rumos de uma economia exploratória que tem levado o planeta ao colapso climático. Atualmente, as grandes inovações nos mercados se dão justamente por meio de parcerias com produtores tradicionais, que manejam e extraem diversos produtos, enquanto conservam as Áreas Protegidas, fazendo a vigilância dos territórios e prestando serviços socioambientais de impacto global.

Para que essas relações aconteçam e impactem de fato os modelos de negócios com uma transição em escala para economia sustentável, é necessário escutar e aprender com os povos indígenas. A economia indígena é indissociável das rotinas e culturas que acontecem nas aldeias. Um grande problema, que entrava o reconhecimento da qualidade dos trabalhos indígenas, é a invisibilidade de seus povos.

"Quando você fala de trabalho indígena, vai encontrar vários níveis de invisibilidade. A gente faz trabalho nas comunidades, de construção, de casa, de fabricação de beiju, farinha, tapioca, trabalho de construir roça, plantar, colher, todo o processamento de mandioca, de caça, de pesca, tudo isso é invisível. E por ser invisível, as pessoas que vivem de contrato acham que a gente não faz nada e acham que a gente é preguiçoso, que não contribui com nada... No caso da economia indígena propriamente dita, é sobre segurança alimentar, recurso pesqueiro, de fauna e flora, sistema agrícola tradicional, tudo isso é economia indígena.", relata André Fernando Baniwa, liderança Baniwa, atual Coordenador-Geral de Promoção a Cidadania, no Departamento de Promoção da Política Indigenista, órgão ligado à Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, e Vice-Presidente da OIBI, organização comunitária membro da rede Origens Brasil.

Cada povo e comunidade indígena tem sua maneira de praticar economia. No Brasil, contamos com a diversidade de 305 etnias, falantes de mais de 270 línguas. Isso quer dizer que há muita pluralidade de pensamento e conhecimento. Setenta e sete etnias indígenas da Amazônia fazem parte da rede Origens Brasil, e como produtores da sociobioeconomia, representam 65% dos produtores cadastrados. Em torno de 60 mulheres Paiter Suruí fazem parte desse grupo, organizadas na cooperativa Coopaiter, confeccionam artesanatos e, com apoio da organização não governamental, Iniciativa Comunidades e Governança Territorial da Forest Trends, alcançam mercados éticos para venda de seus produtos.

Lana Paiter Suruí é representante das artesãs da Coopaiter. Ela conta que "confecciona artesanato aqui, cada um faz uma coisa, outra faz anel, outras fazem colar, outras fazem cesto, outros fazem balaio, a de barro. Então cada um tem o seu processo. Mas tudo vem da natureza. Isso que é importante. Por exemplo, quando minha avó ia buscar os insumos do cesto, ela não pegava qualquer folha para tirar. Ela olhava, via a que dava certo e tirava, não é assim só pegar, porque tira a rotina da folha e estraga. Então tem que saber lidar com aquilo que a natureza oferece e que a gente pega da natureza. A gente não pode invadir, antecipar a natureza. O que a natureza oferece tá lá prontinho a gente pega, se não deixa lá quieto. Tudo isso tem um trabalho de muita importância, que vem ando de geração em geração para nós."

Essencialmente, a economia indígena, em suas diversas expressões, se sustenta há muitas gerações por conta de suas tecnologias sociais e ambientais. Com base em modos de vida organizados, cada interação social e com o meio ambiente leva ao fortalecimento de saberes e inteligências que funcionam como soluções para o bem estar de cada pessoa, da comunidade e da floresta. Porém, o problema de invisibilidade, trazido por André Baniwa, é uma questão que afeta a inserção de produtores indígenas nos mercados.

André Baniwa explica que "a visibilidade no Estado Nacional é através de e por meio de nota fiscal. Aí está o primeiro nível de invisibilidade. Como eu sempre brinco, tucunaré, paca, os parentes desses animais não vão emitir nota fiscal. A floresta não vai emitir nota fiscal, os peixes que eu estou tirando do lago, o lago, o buritizeiro não dá nota fiscal. Eu estou falando isso para chamar atenção nos últimos tempos, onde levo essa questão? Só que a gente trabalha todos os dias."

As comunidades estão buscando o fortalecimento de suas capacidades para adequarem seus produtos às exigências de qualidade do mercado e estão estruturando as cadeias de produção, com apoios das instituições. Na Amazônia, as artesãs indígenas do Tupi Guaporé, localizadas nos estados de Rondônia e Mato Grosso, incluindo as artesãs de Coopaiter, lançaram um catálogo para dar visibilidade aos seus trabalhos, são dezenas de opções de biojoias, produtos de tecelagem, fibras naturais, cerâmicas, que apresentam a cultura de seus povos e os serviços socioambientais decorrentes de seus modos de vida.

Nesse sentido, Lana Paiter Suruí, representando as mulheres de Coopaiter, deixa a mensagem, "é essa compreensão que eu peço. Porque a loja está acostumada com viver de outra realidade. Mas a nossa realidade não é essa, a nossa realidade é bem diferente. É com esse respeito que a gente quer que as parcerias cheguem. Porque a gente não tá ali para ser mão de obra para as lojas crescerem, a gente tá ali para tentar ganhar o nosso pão, mas com respeito de cada pessoa que entra no nosso território. Porque ali não é só um artesanato que eu tô fazendo, ali uma história, ali todo um processo que eu faço, ali é todo todo o ritual que eu faço para ter, ali é a história dos meus pais, ali a história do povo Paiter Suruí, que hoje eu levo para minha vida. (...) Então se a gente for olhar um para o outro, a gente dá mais valor um para o outro, mas se eu chegar com olhar assim 'eu vou ganhar em cima de você', a gente não vai lugar nenhum."

Precisamos fomentar parcerias comerciais éticas com os povos da floresta. É preciso que empresas, empresários e investidores se sensibilizem para um novo modelo de negócio que tenha como valor a floresta em primeiro lugar. Povos indígenas já vivem a solução para o enfrentamento das mudanças climáticas: produzir ao mesmo tempo em que se conserva e respeita o meio ambiente.

"Eu acho que tem solução sim, mas a gente não tem apoio para isso. Os investidores escolhem apoiar o nível de amadurecimento que tem potencial de escala. Nós estamos completamente fora do critério, nós somos obrigados então a se enquadrar nos critérios, o [nosso] modelo de pensamento é diferente. Os indígenas já têm potencial e têm muitas iniciativas relacionadas a isso. É preciso encontrar investimento para organização, é somente assim que a gente tem conseguido também para chamar atenção, mas sempre com muita determinação de manter a diferença, a especificidade, o conceito próprio e a lógica própria, para tentar influenciar positivamente outras iniciativas... quando propomos uma coisa completamente diferente que as pessoas não conseguem enxergar, elas não apostam porque não têm esperança, nem referência nenhuma. A gente precisa encontrar investidores que apostem para produzir coisas novas." conclui André Baniwa.

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