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Autor: CURZI, Yasmin
11 de Out de 2024
Terras de autores de incêndios criminosos devem ser confiscadas? SIM
Responsabilização necessária; extensão do que já prevê a Constituição seria uma resposta proporcional, previsível e lógica
Yasmin Curzi
Pesquisadora de pós-doutorado no Karsh Institute of Democracy (University of Virginia) e professora licenciada da FGV Direito Rio
11/10/2024
Vimos a devastação ambiental causada por incêndios criminosos no Brasil atingir níveis imprescindíveis -entre janeiro e agosto de 2024, foram 11,39 milhões de hectares de território, segundo dados do Monitor do Fogo do MapBiomas. Diante desse cenário, a proposta de desapropriação de terras de autores de incêndios criminosos, sugerida pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, é uma medida necessária e encontra respaldo no ordenamento pátrio.
O artigo 243 da Constituição Federal já prevê a desapropriação de propriedades rurais em que se praticam crimes graves, como o cultivo de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho análogo à escravidão. Sua extensão para incluir crimes ambientais graves seria uma resposta proporcional, previsível e lógica.
Nesse sentido, o Estatuto da Terra, sancionado em 1964 e recepcionado pelo Supremo Tribunal Federal em seu artigo 20, coloca limites no desenvolvimento de "atividades predatórias" que contrariam as normas de conservação dos recursos naturais.
A realidade da emergência climática é incontestável. Os incêndios florestais devastam a biodiversidade e contribuem para o agravamento do aquecimento global ao liberar enormes quantidades de gases de efeito estufa na atmosfera. O Brasil, como guardião da maior floresta tropical do mundo, tem diante de si a oportunidade de firmar uma responsabilidade global com um o em direção ao combate à degradação ambiental.
A desapropriação de terras de criminosos ambientais pode demonstrar o compromisso do país com as metas estabelecidas no Acordo de Paris e com a proteção das futuras gerações.
Mas ainda é necessário colocar pingos em outros "is". Primeiro, o país precisa levar a sério a transição energética, sem que ela represente mais uma fonte de violações de direitos humanos. Novos empreendimentos rodoviários e de exploração na amazônia e na margem equatorial são altamente intrusivos e vão na contramão do interesse global em diminuir as emissões de carbono. Segundo, as sanções atualmente previstas para crimes ambientais, muitas vezes na forma de multas irrisórias ou processos intermináveis, não têm sido eficazes para dissuadir os infratores. Terceiro, o Acordo de Escazú, que estabelece garantias para o o à informação, participação pública e justiça ambiental, ainda precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional -trata-se de compromisso básico para proteger meio ambiente, povos originários, ativistas e defensores de direitos humanos.
Por fim, comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, se por um lado são as principais responsáveis pela proteção de áreas demarcadas, por outro são as mais prejudicadas pelo terrorismo promovido pelos "donos da terra". A aprovação da Lei do Marco Temporal (14.701/2023) pelo Congresso -que impede a demarcação de novas terras- ainda está pendente de resolução no Supremo Tribunal Federal, agravando profundamente o cenário de terror e morte dos povos originários e, consequentemente, a destruição das florestas.
Com muitos ados para ar a limpo, a desapropriação de terras pode ser o início de uma reconstrução do país ao mandar uma mensagem clara: o Brasil não será refém de interesses privados que buscam explorar e destruir seu patrimônio natural, e suas instituições estão factualmente comprometidas com a defesa do meio ambiente, da população e do futuro do país.
Trata-se de uma medida que não só protege os ecossistemas mas também reafirma o papel do poder público em garantir o bem-estar coletivo em face da crise climática -sem sobreposição de negociações opacas e interesses escusos.
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